por Roberto Goldkorn
Primeiro foi o “caso” Isabella, depois foi a vez do monstro austríaco cujos feitos todos conhecem. Mas já esquecemos o impacto da menina que ficou presa na cadeia masculina e foi seviciada pelos detentos por semanas. Já esquecemos? Muitos comentam comigo que o fim do mundo está chegando, e que esses fatos seriam sua ponta de lança. Todos ficamos horrorizados com essas notícias que não param de nos assombrar. Seria isso mesmo o começo do fim? Estariam os agentes do mal e da destruição triunfando sobre as forças do bem e da vida?
Parece chamada dos antigos seriados da TV, para prender a atenção dos telespectadores até o episódio seguinte. E no caso da nossa vida real o episódio seguinte sempre parece superar o anterior. Mas voltando à pergunta bombástica, estariam esses fatos monstruosos nos acenando com algo como o apocalipse? Temos motivos reais para temer o pior? Não. Na minha opinião não, pelo menos não com base nesses tristes exemplos de miséria humana.
Marketing do mal e do bem
Defendo a tese de que o Mal sempre foi melhor de marketing que o Bem. Os meios de comunicação sabem bem disso e por isso perseguem com avidez de predadores as manifestações mais torpes e ignominiosas da natureza humana, que aqui entre nós são bem poucas. Mas fazem barulho. Quando estive em Portugal alguns amigos me contaram que a mídia nacional ficou um mês noticiando a queda de um ônibus de romeiros de cima de uma ponte. A opinião publica assistia chocada (e deleitada) as cenas do resgate, as entrevistas com as famílias das vítimas, o depoimento dos raros sobreviventes e por aí vai. Um mês nas manchetes de Portugal! O mal e a face destruidora dão ibope!
Enquanto Isabella estava nas manchetes, milhares de outras crianças eram salvas em mesas de cirurgias por médicos e profissionais que nunca serão conhecidos. Atos de heroísmos, grandes e pequenos gestos de generosidade, e de solidariedade foram realizados sem alarde e ajudaram a tocar a manivela da nossa vida cotidiana. A imensa maioria da população levanta pela manhã, engrena o seu dia, luta com as forças que têm para ir em frente e quando chega a noite vai descansar, heróis anônimos de histórias sem manchetes.
Talvez o segredo esteja justamente aí: sentimos-nos fascinados pelo mal que acontece aos outros, por que são eles, e não nós. Por isso desprezamos as notícias boas, ou sem grande impacto (afinal a nossa vidinha já é assim) e grudamos na TV para sermos massacrados com a dor alheia, como se merecêssemos uma punição pela nossa vida rotineira e sem maiores sobressaltos. Porém, acima de tudo, queremos nos assegurar de que toda essa desgraceira aconteceu mesmo aos outros e que nós podemos dormir pelo menos mais essa noite em paz e na mais completa segurança.
O Mal não está triunfando, embora sempre preocupe quando mostra as suas garras tão acintosamente, ele tem é marketing! Numa favela com 30 000 habitantes menos de 1% está envolvido diretamente com o tráfico e com a criminalidade explícita, mas esse pequeno grupo faz estragos e recebe visibilidade da mídia. Natural que não nos anime assistir reportagens sobre o dia-a-dia do restante 99% da população da favela, suas lutas, sua rotina, suas alegrias. Queremos mesmo é ver traficantes armados e de chinelo de dedo desafiando o sistema.
O Mal não está triunfando senhores e senhoras, apenas, graças a nossa atenção, tem um marketing campeão.