Vivemos em uma época em que tudo gira em torno do ego, daquilo que lhe pode ser conveniente ou inconveniente. Seja o que for, tudo tem de ser contraposto aos direitos e necessidades do ego para poder ser avaliado e devidamente dimensionado. O que é importante, seja o que for, tem de ser confrontado com essa medida universal para poder adquirir legitimidade na nossa época.
Essa situação não é meramente uma manifestação de egoísmo humano, como muitas vezes somos levados a pensar. O egoísmo não é um defeito moral da humanidade que, por causa de alguma deficiência, não consegue ver nada além de si mesa. Não se trata mesmo de uma cegueira crônica.
Trata-se do amadurecimento de uma longa evolução cultural ligada à valorização do indivíduo. Assim, a acusação de egoísmo moral como sendo o pecado da nossa época não faz muito sentido. Isso porque a maioria das pessoas, se é que alguma delas, não tem a capacidade para saltar sobre sua época e experimentar valores diferentes daqueles em que foi educado.
Perspectiva egoísta
Se entendemos que há um excesso de concentração nos assuntos ligados ao ego, então não podemos simplesmente esperar que algumas pessoas sejam capazes de se livrar dessa perspectiva egoísta e começar a pensar e a sentir de outra forma. Isso porque essa é uma situação cultural na qual todos nós estamos imersos, como peixes na água.
Se não formos capazes de entender esse tipo de situação em que a adoção de uma postura existencial diferente não depende somente da boa vontade das pessoas terminamos nos tornando moralistas. Um moralista é aquele que levanta o dedo em riste para criticar o mundo em que vive. No caso do egoísmo do mundo atual, ser um moralista é muito fácil. Afinal, não há nenhum aspecto do nosso modo de vida que não acione a intensificação dos direitos do ego. Então, o moralista só tem de acusar todos os outros de egoísmo. E quanto mais ele acusa, mais coberto de razão se sente e mais egoísta o mundo todo lhe parece. Assim, o moralista pode passar toda a vida inteiramente justificado. Ele está sempre certo e confortavelmente instalado na sua indignação!
A certeza do moralista
O problema do moralista é que sua certeza não leva a nenhuma consequência prática. Como o problema do egoísmo não é moral, mas cultural, acusar os demais não leva a nada que não seja a satisfação do acusador – o moralista. O mundo continua igual depois das acusações do moralista. A única diferença é que, depois das críticas, o moralista se sente aliviado. Mas esse alívio é meramente psicológico já que o mundo permanece igual.
Isso não significa que não se pode criticar o egoísmo do nosso mundo, mas apenas que não se pode criticá-lo como se ele fosse um problema moral. As pessoas do nosso tempo não são piores do que aquelas de outras épocas. Os nossos problemas é que são diferentes. Ficar preso ao aspecto moral desses problemas nos leva a uma forma de pessimismo que conforta apenas os moralistas que adoram acusar os demais com a voz elevada e o dedo indicador apontado. Aliás, alguém já disse que o trabalho de Satanás é apontar, indicar e separar.
Se o egoísmo cultural é um problema da nossa época, teremos que lançar mão de outro tipo de estratégia, que não seja a ineficácia dos moralistas, para lidar com ele. Voltarei a esse assunto mais tarde.