por Luiz Alberto Py
Volto ao assunto da autoestima porque, nos longos anos em que venho trabalhando como psicanalista e pensando o meu trabalho, aprendi que tudo começa com a autoestima, ou melhor, na baixa da mesma. E se esse é o problema, devemos investigar o que há com essa pessoa que não está se gostando e como podemos fazer para ela se estimar mais e melhor.
Pensando sobre autoestima, descobri algumas coisas interessantes, como, por exemplo, o fato de que os bichos têm autoestima. Eu tenho gatos e cachorros em casa, já convivi com diferentes animais, tive uma vaca, papagaios, tartarugas. Por que não temos essa autoestima tão tranquila que os bichos têm? Por que nós, os racionais, não temos aquilo que os irracionais têm? Devia ter alguma coisa a ver com a racionalidade. Os irracionais têm autoestima, e os racionais são cheios de problemas.
Tenho me dedicado a pensar sobre as diferenças entre o racional e o irracional. Os bichos funcionam muito imediatamente em função dos desejos e dos instintos. Eles fazem o que querem, o que o instinto manda. Não há muito mistério. É procriar, defender a vida. São dotados de uma série de instintos – de maneiras de se comportar, que estão no DNA de todos – que priorizam a proteção da vida e a procriação. A seleção natural nos garante que aqueles que não possuem tais características não sobrevivem.
É válido, então, nos interrogamos sobre o que acontece com a autoestima humana?
Como a razão é o que nos distingue dos irracionais, nela deve estar a chave da questão. E o que é a razão? É aquilo que nos dá uma noção de futuro. A coisa mais básica que diferencia os humanos dos irracionais é essa consciência de futuro. E ela nos cria imediata e inevitavelmente um conflito. Por quê? Pelo fato de que a vontade (uso a palavra vontade para designar o desejo oriundo da razão) permanentemente se contrapõe aos desejos imediatos. A vontade nos diz: “Você tem que estudar, você tem que fazer a declaração do Imposto de Renda, você tem que tomar banho, tem que escovar os dentes, tem que dormir cedo, tem que parar de brincar, tem que ir para o colégio”, por causa do futuro. Isso está tudo no futuro.
Você estuda, porque no futuro você tem que saber. Você escova os dentes para não ter cáries no futuro. Você toma banho para não ter doenças no futuro. Você vai dormir, etc… tudo tem a ver com futuro. E começa a colidir com o desejo, que é o presente. “Eu quero jogar bola, eu quero ficar aqui onde eu estou. Eu quero comer chocolate até não ter mais vontade.” Mas você vai ter dor de barriga, amanhã. Então, logo de cara, a criança começa a ser instruída que existe um futuro, que a gente tem que visar esse futuro e ter vontades em relação a esse futuro. Primeira coisa, não pode fazer pipi se não for no pinico. Tem que aprender a fazer cocô, “segura agora, faz depois”. Devemos adiar nossos desejos ou mesmo renunciar a eles por determinação da razão. Aí está a origem do conflito humano: o choque entre a razão e a emoção, entre o desejo e a vontade, entre o presente e o futuro. Este é o conflito que os bichos não têm.
A questão seguinte é qual a relação entre tais conflitos e a autoestima?
Tudo começa pela forma como os pais ensinam para os filhos o que eles devem ou não fazer. As mensagens típicas são: “Não gostei!”. “Não gosto quando você se comporta dessa maneira”. “Não gosto de você, porque você fez errado”. “Estou brabo com você, porque você não comeu direito, fingiu que tomou banho e não tomou, ficou fazendo bagunça em vez de ir dormir, não estudou, nem fez boa prova”. Enfim, todas essas coisas sempre são o recado dos pais, por mais cuidadoso que a gente seja, por menos que a gente seja incisivo nisso, é sempre assim que a criança entende: “Eu gosto de você, quando você faz determinadas coisas, e não gosto de você quando você faz outras”. Então toda a sua imperfeição é não gostada, toda a sua perfeição é gostada. Como ninguém é perfeito, há sempre imperfeições…
A criança aprende por emulação, ela copia os pais, copia tudo. Você pega um garoto e leva para Recife, daqui a duas semanas ele está falando com sotaque. Leva para o Rio Grande do Sul, ele passa a falar “trilegal”, “chê”. A criança imita e absorve muito. Como os pais são figuras essenciais, ela os imita intensamente. Se o pai diz: “Eu não gosto de você, quando…” Ela se propõe: “Eu não gosto de mim, quando…” E assim por diante.
Desta forma a autoestima começa a ser solapada. Animais nunca dizem: “Eu não gosto de mim, porque fiz cocô na hora errada.” Mas as crianças pensam assim, elas começam a não se gostar, elas aprendem a não se gostar. Aprendem a não se gostar por serem imperfeitas, a não se gostar por não fazerem o que era para ser feito, etc. Quanto mais intenso for esse aprendizado do “não se gostar”, mais a autoestima fica prejudicada. No próximo artigo vamos ver o que pode ser feito para melhorar essa situação da autoestima prejudicada.