por Roberto Goldkorn
Outro dia não sei por qual motivo, lembrei-me de um recorte de revista que colei no meu fichário da escola.
O recorte dizia: “A vida é um palco, mas vejam só o papel que me deram.” Pensei nisso de novo diante de notícias recorrentes de covardia contra crianças, mulheres e gays.
De acordo com o texto no meu antigo fichário, o papel desses agressores é o do Covarde. Os Covardes são um tipo de personagem que vêm reencarnando há milênios, sempre causando tanta dor, tanta miséria à sua volta. Tenho alguma dificuldade de entender a sobrevivência cármica desse papel de vilão causador de uma cadeia de sofrimento. Por um lado a sobrevivência do papel do Covarde pode ser explicada em sua face darwinista. Ele destrói os mais fracos e indefesos em geral de forma perversa. Isso é puro darwinismo. Mas por outro lado mesmo em tempos mais primitivos, existia um repúdio moral e até judicial à Covardia. Dificilmente existiria uma sociedade onde a covardia explícita era exaltada em canções, ou elevada a categorias nobres da sociedade. Não estamos aqui falando é claro da covardia do Estado ou de governantes despóticos, essa entra em outra categoria.
O covarde em todas as mitologias é o vilão, o sujeito de cara de mau, com o qual muito poucos se identificam. Então por que sobrevivem? Por que a cada ano, a cada século, gerações de covardes e perversos nasce para causar dor aos mais fracos e indefesos?
A explicação não é tão simples nem definitiva, mas é a minha explicação.
Junto com os covardes nascem multidões de expectadores, gente que vai assistir passivamente a peça como se não fizesse parte dela. É o que se convencionou chamar no século passado nos EUA de a “maioria silenciosa”. É a turma do I don’t care! (Eu não me importo)
Esse papel é obviamente o mais requisitado, não há covardes explícitos entre eles, apenas gente comum, que vive a sua vida, alguns com dificuldades, com suas próprias dores, lutando para sobreviver. Os Covardes sobrevivem principalmente graças à indiferença da maioria silenciosa, cujo mantra principal é: “Isso não é da minha conta”.
Os Covardes se reproduzem prolificamente porque ironicamente transformam algumas de suas vítimas em seres iguais a eles. Muitos agressores sexuais, foram abusados sexualmente quando crianças.
Os Covardes continuam em cena geração após geração, também por causa de um papel que a cada diz perde prestígio: o dos Heróis.
Quem são os Heróis? São aqueles que sentem um “chamado” à ação. Só por essa descrição podemos imaginar que são meio loucos: quem chamou? Onde está escrita a ordem de serviço?
Os Heróis são um personagem cada vez mais raro, apesar de serem exaltados na maioria das culturas. Os Heróis ao contrário dos covardes precisam de reconhecimento, são seres solares, não podem e não devem se esconder na penumbra da indiferença, precisam ser exemplares para gerar/motivar mais heróis. Mas para a Maioria Silenciosa, tanto faz: heróis, covardes, tanto faz, contando que não mecham com ela, tudo bem.
Por isso que os covardes proliferam, e os heróis mínguam.
Dentro de cada um de nós, existem estes três papéis, e tantos outros. Uma sociedade feliz, que se desenvolve espiritualmente, é aquela onde a maioria silenciosa grita e vaia o Covarde, e aplaude discretamente (para não inflar o ego) o Herói.