Por Cybele Russi
Há algumas semanas li em uma revista semanal sobre a maldade que há nos relacionamentos entre as meninas. Um prazer sádico de desfazer da outra, de ridicularizar, de humilhar, de diminuir, levando à exclusão do grupo. É verdade que esse tipo de atitude não é exclusivo das meninas, pois meninos também são mestres na arte de humilhar e ridicularizar seus pares. Mas os meninos parecem ser menos sádicos, ou talvez sejam mais brincalhões, e as maldades pareçam menos nocivas. Meninas, entretanto, conseguem destilar um veneno tão letal, que quase sempre atinge a vítima de forma certeira, podendo ser observado pelos sintomas claros de depressão, tristeza, isolamento, quando não, obesidade ou anorexia.
Este tipo de atitude não é novo, a história, os mitos e os contos de fada estão cheios de exemplos que nos confirmam. E não é preciso ir muito longe: dentro da própria família é mais comum do que se pensa. Quem não conhece a típica rivalidade entre irmãs, ou entre mãe e filha? Branca de Neve, Cinderela e o Patinho Feio são exemplos clássicos da rivalidade entre mãe e filha, entre irmãs e entre aqueles que destoam do grupo. O mito de Cinderela retrata de forma primorosa a rivalidade entre mulheres da mesma idade. Ela é humilhada, tiranizada, achincalhada e diminuída por ser, talvez, a mais bonita e a mais capaz. O Patinho Feio é expulso do grupo por ser o diferente, e Branca de Neve sofre nas garras de uma madrasta que não consegue lidar com a beleza da menina que vira mulher. Todos modelos de discriminação e de rejeição pelo grupo social.
Com tantos anos de história nas costas, é de se perguntar: o ser humano nunca cresce? Nunca aprende? Nunca evolui? Continua por séculos e séculos cometendo as mesmas falhas, as mesmas impropriedades que foram reveladas lá atrás, nos primórdios de sua existência?
Não vamos aqui fazer uma retrospectiva arqueológica do ser humano, nem de suas motivações antropológicas, mas parece bastante claro que, se comportamentos ancestrais continuam sendo repetidos e repetidos e repetidos pela história afora é porque são repassados de geração para geração, isto parece bastante óbvio. Então, facilitando as coisas: quem transmite bons e maus exemplos para os filhos são os pais, esta é a pura verdade, e não há como fugir disso. Rir e ridicularizar o outro é um comportamento típico de repetição. A criança aprende isso vendo os pais fazerem.
Por que o vizinho ou – o outro – nos incomoda tanto em sua originalidade, em sua peculiaridade, em sua singularidade a ponto de queremos ridicularizá-lo? O que há de errado em ser diferente do grupo? Por que deveríamos necessariamente ser todos iguais? O que há de errado em ter a pele mais clara ou mais escura, os cabelos mais lisos ou mais crespos, o corpo mais alto ou mais baixo, ser mais magro ou mais gordo, ser mais narigudo ou menos narigudo, usar óculos ou não usar, gostar mais de estudar do que de namorar, gostar mais de ler do que de fazer musculação… e um milhão de outras características que o grupo sempre percebe e ridiculariza? O que há de errado em se ser quem se é? Por que não conseguimos simplesmente tocar nossas vidas e tentarmos ser felizes a nossa maneira e deixar que os outros também sejam?
É um paradoxo que num mundo tão supostamente moderno como o nosso, jovens ainda se incomodem e incomodem seus companheiros por suas características pessoais. Não seria de se supor que esses pré-julgamentos já deveriam estar extintos e enterrados? Preconceito e discriminação não parecem posturas compatíveis com pessoas de pensamento aberto, esclarecido e liberal, esperadas de pessoas jovens e "modernas"; combinam mais com gente careta, ultrapassada, mal resolvida e mal esclarecida. Além, é claro, de demonstrar um sentimento de insegurança brutal. O raciocínio é óbvio: só quem não está satisfeito consigo mesmo pode se preocupar com a vida ou com o corpo alheio. Se o outro nos parece tão ameaçador é porque nós próprios devemos estar muito fragilizados. Traduzindo em miúdos: a nossa auto-estima deve estar muito aquém do desejável.
Por que os nerds têm algo mais?
Dentre os tipos mais discriminados que se encontram nas escolas e nos grupos de jovens, estão os nerds. Aqueles jovens mais reservados, mais tímidos, quase sempre mais estudiosos, não muito chegados a esportes, nem sempre belos, eventualmente muito magros ou muito gordos. Eles são as vítimas preferidas dos não nerds, os esportistas, os atléticos, as gostosas, as peitudas, as extrovertidas, os falantes, os engraçados e os bonitões. E aqui surge um enorme contra-senso: se são bonitos, interessantes, divertidos, espirituosos, atléticos, bronzeados, etc, etc, etc… por que ficam tão incomodados com os outros, aqueles que não o são? Não parece estranho que meninas bonitas, charmosas e interessantes façam terrorismo com as feinhas-estudiosas-quietinhas-solitárias-magrelas-branquelas? Não perece estranho que rapazes bonitões, musculosos, bons-de-papo e valentões persigam implacavelmente os branquelas-orelhudos-de óculos-pernas-de-pau que passam suas tardes trancados no quarto estudando Física ou lendo Machado de Assis?
Não, não parece estranho. É porque todo nerd traz em si um algo mais, o 'plus' que todos gostariam de ter e não têm. É por causa desse 'plus' que eles causam tanta inveja, que provocam tanta rivalidade e ameaçam tanto. E por causa desse 'plus' são discriminados e afastados do grupo. O nerd sabe que não pode competir em pé de igualdade com o bonitão da classe, então, ele desenvolve outras características que o tornam absolutamente mais irresistível do que qualquer um dos outros e aí, ele vira ameaça. A menina branquela e sem peito sabe que não tem chances perto das gostosonas da turma, então, ela se transforma num poço de inteligência, imbatível na hora do papo. E igualmente ameaçadora. Qual a saída? Deixar os nerds de lado, sozinhos no canto do pátio, não convidá-los para as festas. Longe dos olhos não há ameaça. Fora da festa, não há concorrência. É assim que as pessoas de mal com sua auto-estima resolvem seus problemas. Isolar é mais fácil do que competir e ir à luta.
Quem tenta destruir o adversário antes da luta é porque não está bem preparado para ela. Já pensaram sobre isso?
Esta é uma pergunta que vale para os pais, pois é com eles que os filhos adquirem o mau hábito de rir e ridicularizar o outro. Mas vale também para os "bonitões" e as "gostosonas" da hora: será que você está tão seguro(a) assim de sua beleza e formosura? E vale para os nossos nerds, os feinhos, os magrinhos, os gordinhos, os sem-graça, os de cabelo ruim, os vesguinhos, os bobinhos encolhidos e esquecidos no canto do pátio: será que você não tem um algo a mais que incomoda e fere e provoca?
Ocorre-me agora, ao final desta reflexão alguns nerds que fizeram história e que causaram e causam inveja em todo mortal vivo: Giselle Bünduchen, que era feia, magrela e desengonçada, e Madonna idem. Woody Allen, Jean Paul Sartre, Albert Einstein, John Nash, só para citar alguns que me vêm à lembrança. E Bill Gates, é claro, o maior de todos os nerds. Todos eles tiveram seus dias de fundo de pátio, mastigando sozinhos seus sanduíches e seus pensamentos. Até onde se sabe, todos estão muito bem acompanhados, nadando na fama e no dinheiro.
Se o objetivo da Educação é tornar o mundo um lugar mais agradável e aprazível para nós mesmos e para nossos filhos e netos, melhor começarmos por nós, olhando para nosso próprio umbigo.