O senhor… mire, veja: o mais importante e bonito, (Rosa, 2001) do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam, verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra montão. Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas
Uma das tarefas mais intrigantes e difíceis em nosso trabalho é a discriminação do que de fato podemos chamar de real ou verdade, conceito variável, para cada cultura em cada momento no tempo. Talvez o mais difícil, seja aceitar o fato de que cada época tem a sua própria “leitura de mundo” e uma não é melhor que outra, e ainda, que aquilo que convencionamos chamar de verdadeiro ou real pode ser a melhor compreensão possível do mundo naquele momento.
Então, pensando sobre o que é o real, para cada cultura, em cada época, e pensando, como Gumarães Rosa, que as pessoas “não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas…” o que é que fazemos em nosso trabalho analítico? Existe algo como “a verdade”?
Pessoas nos procuram com as mais diversas dores, buscando ajuda. Parte de nosso trabalho tem a ver com a possibilidade de identificar qual o incômodo, onde está o sofrimento. Esta discriminação passa sempre, necessáriamente, pela apreciação das relações interpessoais significativas, ou seja pela compreensão de quem é o outro com quem me relaciono.
Há um trabalho importante de separação entre eu e outro para que então possa ser percebido o que é “real” ou “verdadeiro” no outro e na relação com ele estabelecida.
Por que sofremos por causa do outro?
Grande parte do sofrimento tem a ver com o desejo de que o outro seja um outro perfeito, que possa funcionar de acordo com o que espero, com um ideal projetado. Desajustes e grandes discussões entre parceiros são na grande maioria das vezes sintomas dessas projeções: vejo o outro como gostaria que ele fosse e não como é verdadeiramente. Espero portanto que ele se comporte de acordo com meu ideal, o que não é possível.
Poder perceber o ideal auxilia no trabalho de discriminação do real, tanto em mim quanto no outro. Recolher projeções, entender o que é meu, facilita e ancora o caminho de transformação e desenvolvimento. Ajuda a “ir mudando” e caminhando, facilita também a transformação do outro e possibilita relações mais verdadeiras, porque fundamentadas em um estado menos carregado de expectativas, mais real.