Por Ricardo J.A. Leme
Tudo o que existe, o que é, e também tudo o que se crê existir define um ente. Em outras palavras, somos entes na medida em que nos emancipamos, nos individualizamos da massa amorfa, nos tornamos saudáveis, enfim nos pertencemos.
Se por algum motivo nos afastamos desse estado fluídico do ente, do ser, da saúde, alteramos nosso estado de pertencimento a um novo estado que podemos denominar como ser possuído por. Quando me torno possuído por, deixo de ser ente e passo a pertencer a alguma entidade. Ou seja, me torno do ente; do ente que me possui. Nesse caso estou doente, vivencio a doença, enquanto refém desse estado.
Ao procurarmos em outros idiomas, pois idiomas têm uma vida interior, vamos encontrar semelhantes constatações em relação à doença. No inglês uma possível tradução da palavra vontade é "will". O processo de adoecer implica em perder o acesso ao livre exercício da vontade (no inglês livre arbítrio = free will). Quando minha vontade não é suficiente para que eu aja com liberdade eu me encontro doente (ill). Tornar-se "ill" no inglês é tornar-se refém das circunstâncias e portanto do ente ou da doença. Um "w" a menos e quanta diferença, não é mesmo? (When I loose my will I get ill – tradução livre: Quando eu perco a vontade eu fico doente). Um "do" a mais e quanta diferença faz!! (do-ente).
O convite atual proporcionado pelos meios de comunicação, pela opinião pública e pelo senso comum, é um risco potencial à saúde. Radical? Não, claro! Apenas lembremos que vivências dessa natureza deslocam a pessoa de si em direção aos valores oferecidos a partir de convenções externas ao ser. É comum que alguém seja constrangido em sua forma de ser, por uma forma de ser assumida por um grande número de pessoas, ou ainda, mais maquiavélico, por alguma personalidade marcante com quem me identifico.
Nessa medida, a pessoa constrangida pode perder-se de si. Pode momentaneamente deixar de pertencer-se e passar a responder a outros valores, seja uma ideia, um sonho, uma ilusão ou mesmo algo que a desvia de seu propósito ou princípio existencial. Esse tipo de perder-se equivale a tornar-se doente, um estado de dependência de um modo operacional externo a seu ser.
Uma sociedade doente é toda aquela onde o individual é visto com indiferença. Viver em uma sociedade doente significa esquecer de si e seus propósitos existenciais, mergulhar na manada, na massa, na moda e na mídia. Vejamos bem que somos livres para escolher esse caminho, mas a questão é fazê-lo conscientes da existência de outra opção, e não como que forçados pela ignorância de podermos optar! Posso ser materialista ou não, posso escolher. Dar a César o que é de César. O que escolho determina o que sou e como atuo no mundo.
As sociedades superorganizadas, plasmadas na competição, pragmatismo e utilitarismo, enfrentam, a despeito de seu alto nível social e cultural alguns efeitos colaterais desafiadores. Arriscando elencar alguns encontramos: o suicídio em grande escala, o uso indiscriminado de drogas alucinógenas legais ou ilegais, as doenças cerebrovasculares (derrames cerebrais e enfartes), a dissolução da família e a mercantilização do erotismo.