Dependência de opioides ou morfina para tratar dor crônica; como lidar

Por Danilo Baltieri

Depoimento de uma leitora:  

Continua após publicidade

“Tenho uma sobrinha de 17 anos que tem anemia falciforme.  Ela faz tratamento e, até os seus 12 anos, ela não teve nenhuma crise relacionada à doença, nunca fez cirurgia. A partir dos 14 anos, ela iniciou crises de dor e então começaram a administrar morfina. Porém, no começo, ela estava indo bem, sem muita dependência, mas a partir de certo momento, ela começou a sofrer bullying na escola, por ser magra e ter essa doença. Ela começou então a ter mais crises – todos sabiam que era um refúgio, inclusive os médicos. Ela ficava semanas internada e lá ficava bem, mas voltando para casa e tendo de ir à escola, recaía. Começou aí a sua dependência, pois no hospital, começaram a aplicar via venosa a morfina. Após mais ou menos uns dois anos (ela já muito viciada) apareceu uma médica que começou a retirar a morfina, diminuindo as doses. Minha sobrinha até que reagiu bem, sem perceber que estava se recuperando, mas essa médica foi demitida e os outros que entraram voltaram a dar a morfina à vontade pra ela. O resultado já sabemos: ela está ficando cada vez mais debilitada e eu não acredito que seja pela doença e sim pela dependência. Ela não fica sem a morfina via oral e quando está deprimida, faz um ‘show’ dizendo que está com dor, só para ir tomar na veia; mas dá para perceber que não é tanta dor da crise e sim da dependência. Enfim, nesses casos tem solução para ela se livrar dessa medicação e tomar somente quando se tem a crise de verdade? Algo que eu possa fazer em casa? Isso pois somos de baixa renda e não temos como interná-la em uma clinica. Estou desesperada em vê-la se acabando a cada dia e torcendo para que ela viva mais um dia.”  

Resposta: Pacientes tratados de forma contínua com medicações opioides (Morfina, Oxicodona, Codeína, Metadona, Fentanyl por exemplo) comumente desenvolvem dependência fisiológica, ou seja, evidência de tolerância (necessidade de doses progressivamente maiores para produzir o mesmo efeito analgésico anteriormente conseguido com doses menores) e/ou síndrome de abstinência (sintomas físicos e psicológicos advindos da parada e/ou redução abrupta do uso dos opioides, tais como cãibras, tremores, aumento da pressão arterial e frequência cardíaca, dores generalizadas, sudorese excessiva, aumento do tamanho das pupilas, calafrios, dentre outros). Este quadro é, muitas vezes, inevitável entre os portadores de dor crônica tratados longitudinalmente com estas medicações, dadas as propriedades farmacológicas destas substâncias.

Outrossim, existem situações onde o portador de dor crônica tratado continuamente com medicações opioides faz o uso conhecido como “patológico” das mesmas, ou seja, perde o controle sobre o uso, consome estas medicações em situações outras que não a dor propriamente dita (por exemplo, quando está triste, depressivo, ansioso etc), prefere o uso intravenoso em várias situações (especialmente quando busca serviços de emergência), procura prontos-socorros ou consultas extras para obter mais medicações, diz ter “perdido” as receitas objetivando angariar mais medicações, apresenta piora da sua qualidade de vida, diminui seus contatos/atividades sociais e profissionais. Pessoas com este padrão de uso patológico de opioides geralmente apresentam o quadro de síndrome de dependência a estas substâncias.

O manejo dos portadores de ambas as condições ? dor crônica e uso patológico dos opioides ? também tende a ser altamente complexo. Uma vez desestabilizado o quadro de dor, tais portadores tendem a procurar mais medicações; da mesma forma, uma vez desestabilizado o quadro da síndrome de dependência aos opioides, o quadro doloroso tende a piorar exponencialmente.

Continua após publicidade

Entre portadores de ambas as condições, o abuso de outras substâncias, como o álcool e a maconha, é condição frequente. Portanto, os profissionais da saúde devem desempenhar ampla investigação entre estes pacientes tanto no sentido de evitar o uso e abuso também de outras substâncias, quanto para detectar e subsequentemente tratar algum quadro já instalado.

É importante notar aqui que portadores de dor crônica também comumente apresentam outros transtornos psiquiátricos coexistentes, o que dificulta o próprio manejo clínico do quadro doloroso. Assim, estar preparado para diagnosticar a presença de um Transtorno Depressivo ou Ansioso coexistente, por exemplo, deve ser rotina enraizada nos serviços especializados. É desejável a existência de uma equipe interdisciplinar para o desempenho do correto tratamento dos quadros de dor crônica, contando, inclusive, com médico psiquiatra especializado.

O tratamento focado apenas no controle da dor entre os portadores de quadros dolorosos crônicos raramente produz bons resultados, infelizmente. Outrossim, é fundamental lembrar que, além das abordagens farmacológicas imperativas para tais quadros, existem abordagens não farmacológicas que devem ser utilizadas precocemente. Entre tais abordagens não farmacológicas, podemos citar a acupuntura, atividades físicas individualizadas, psicoterapias, dentre outras.

Continua após publicidade

Alguns autores sugerem que a prescrição medicamentosa (opioides) para estes portadores duais deve ser sempre feita por um mesmo médico, o qual encaminha o seu paciente para outros profissionais da equipe. Desta forma, o controle sobre o consumo das medicações opioides pode ser mais eficaz e rigoroso.

Dor crônica e síndrome de dependência são condições bastante complexas que demandam tratamento prolongado e criterioso. A participação ativa e coerente dos membros familiares é amplamente desejável para ambas as situações.

Contate a equipe de profissionais que está tratando seu parente e fale sobre estas suas preocupações. Você tem razão para estar bastante preocupada e deve mesmo estar presente durante todo o tratamento.

Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.