Maconha: ‘Cannabis’ pode agir na cura de doenças crônicas e do autismo?

Por Danilo baltieri

Resposta: Mais do que 480 componentes ativos têm sido identificados na planta Cannabis e, dentre eles, estão, por exemplo, os chamados canabinoides. O Delta9-Tetraidrocanabinol (THC) e o Cannabidiol são dois destes e cada um deles tem seus subtipos a partir de pequenas diferenças nas suas moléculas.

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Como tenho reiterado aqui no Vya Estelar, uma droga não é boa ou má por si só. Uma medicação do tipo benzodiazepínico é bastante útil quando bem indicada e recomendada; contrariamente, este mesmo tipo de medicação pode ser extremamente nocivo quando utilizado de forma inadequada e não prescrito por profissional responsável. Mas… devo também reiterar que uma mesma planta pode oferecer inúmeros tipos de componentes ou substâncias ativas com perfis bastante diferenciados, produzindo, dependendo do componente, efeitos benéficos, maléficos e, até mesmo, fatais.

Também, de qualquer forma, todos os estudos envolvendo o uso de derivados da Cannabis, preocupam-se com os possíveis efeitos dos seus derivados canabinoides, tais como:

a) Percepção e Sensação: fadiga, euforia, modificações sensoriais, sensação de estar diferente, alteração da percepção do tempo, alucinações e outros estados psicóticos;

b) Desempenho e Cognição: pensamento fragmentado, perturbação da memória, alteração da marcha, piora ou melhora do desempenho motor;

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c) Sistema Nervoso: analgesia, relaxamento muscular, aumento do apetite, neuroproteção;

d) Temperatura Corporal: redução da temperatura corporal;

e) Sistema Cardiovascular: aumento da frequência cardíaca, redução da agregação das plaquetas, vasodilatação periférica, hipotensão ortostática (quando a pessoa se levanta de uma posição sentada);

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f) Olhos: olhos vermelhos, redução da pressão intraocular;

g) Sistema Respiratório: broncodilatação, boca seca, redução da produção salivar;

h) Trato Gastrointestinal: retardo do esvaziamento gástrico;

i) Sistema Hormonal: atividades sobre o funcionamento dos hormônios sexuais, redução da mobilidade de espermatozoides, desregulação do ciclo menstrual;

j) Sistema Imunológico: atividade anti-inflamatória, melhora de determinados tipos de resposta imunológica;

k) Desenvolvimento Fetal: má formações, prejuízos cognitivos sérios ao feto, retardo no ganho ponderal (de peso);

l) Material Genético e Câncer: inibição da síntese de proteínas, atividade antineoplásica (contra o surgimento de células atípicas).

Como vemos, derivados da Cannabis podem ter efeitos procurados para o tratamento de doenças e podem ter efeitos altamente nocivos para as pessoas.

Desta forma, pesquisas onerosas e complexas ao redor do mundo têm envidado esforços na identificação de medicações naturais, semissintéticas e sintéticas baseadas nos derivados da Cannabis para melhorar a qualidade de vida de pessoas que padecem de diversos males, tentando “separar” os efeitos indesejáveis daqueles efeitos terapêuticos.

A medicação Sativex (Mevatyl, Nabiximols), por exemplo, recentemente aprovada pela ANVISA, tem uma associação do Delta9-Tetraidrocanabinol (THC) com o Cannabidiol. Ela é recomendada para quadros de espasticidade grave, como ocorre em alguns casos de Esclerose Múltipla, quando nenhuma outra forma de manejo farmacológico foi suficientemente promissora. Os principais efeitos colaterais reportados são fadiga, tontura e náuseas. Visão borrada, boca seca e prejuízo da concentração também têm sido registrados. Embora a preocupação com o desenvolvimento de um quadro de síndrome de dependência esteja sempre presente, os estudos, no momento, indicam que esta chance é muito pequena.

Na verdade, o Cannabidiol não induz os típicos efeitos psicológicos produzidos pelo Delta9-Tetraidrocanabinol (THC). No entanto, as duas substâncias derivadas da Cannabis podem interagir. Um estudo demonstrou que o uso concomitante do Delta9-Tetraidrocanabinol (THC) com o Cannabidiol produziu uma redução significativa dos efeitos psíquicos que seriam induzidos se apenas o Delta9-Tetraidrocanabinol (THC) fosse utilizado.

No caso dos transtornos do espectro do Autismo, tema deste comentário, é verdade que o sistema endocanabinoide (sistema caracterizado por substâncias produzidas basicamente pelo cérebro e com estruturas similares aos canabinóides) está implicado no desenvolvimento destes transtornos. Nestes transtornos, tanto aspectos comportamentais, neuropsicológicos e imunológicos estão alterados, e o sistema endocanabinoide parece estar implicado com todos eles.

Com isso, aventa-se a atratividade clínica dos canabinoides para o manejo dos portadores dos transtornos do espectro do autismo, como uma tentativa de recuperar ou tratar algumas das funções psíquicas inerentemente prejudicadas.

De fato, o sistema canabinoide endógeno (existente no nosso corpo) exerce papel importante no desenvolvimento do sistema nervoso central e a ativação deste sistema pode induzir modificações comportamentais e imunológicas de longa duração.

A utilização do THC em pessoas com o cérebro ainda em desenvolvimento pode produzir alterações persistentes tanto na estrutura cerebral quanto na cognição (atenção, memória, orientação). Modelos de pesquisa em animais têm mostrado prejuízos duradouros à memória depois da exposição ao THC e drogas canabinoides.

Outrossim, a árdua tentativa de separar os efeitos nocivos dos benéficos destas substâncias derivadas da cannabis tende ainda a ser um forte obstáculo ao tratamento médico, no qual se preza firmemente a eficácia terapêutica bem como a sua segurança.

De qualquer forma, o cannabidiol tem mostrado várias propriedades terapêuticas, como proteção neuronal, atividades no sistema imunológico, atividades anti-inflamatórias, sem efeitos colaterais que obstaculizem a indicação médica consciente.

Na verdade, o cannabidiol é uma substância que atua de maneira bastante complexa sobre o cérebro, inclusive sobre o metabolismo dos canabinoides endógenos (substâncias com estruturas similares e produzidas pelo próprio corpo).

Assim, para aqueles que padecem de transtornos e doenças cujos tratamentos atualmente são escassos ou mesmo falhos, esforços devem sempre ser envidados na descoberta de vias promissoras e promotoras da melhor qualidade de vida.

Seguramente, outros componentes ativos da planta poderão ser mais adequadamente estudados e gerar resultados positivos para todos nós. Com a inclusão da planta no rol das Denominações Comuns Brasileiras pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), pesquisas poderão ser também mais desenvolvidas no nosso meio e isso é bom para a comunidade científica nacional.

De qualquer maneira, devemos sempre lembrar que os transtornos do espectro do autismo são bastante heterogêneos. Isso significa que determinados manejos terapêuticos podem ser recomendados para um grupo de portadores, mas não necessariamente para todos eles.

A notícia sobre a possibilidade do uso de derivados canabinoides no tratamento de doenças neuropsiquiátricas é bastante animadora. Entretanto, muito mais pesquisas deverão ser realizadas com a finalidade precípua de avaliar a eficácia real sobre determinados sintomas e funções físicas e psíquicas, bem como de estimar rigorosamente a segurança terapêutica durante o uso da medicação.

Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.