Por Ricardo J.A. Leme
O silêncio é espaço onde tudo pode acontecer. É potencialidade. É campo de metamorfose. É onde o tu pode encontrar com o eu. Sem o silêncio, pouco é possível. Quem está cheio, precisa de um pouco de silêncio; espaço na alma para que alguém possa ser. Não é possível ser sem espaço, e o silêncio é espaço pleno. No silêncio eu me escuto; no silêncio sou escutado. O silêncio é solene e é só nele que o dentro e o fora podem estabelecer diálogo. O artista disse que o silêncio foi a primeira coisa que surgiu. Para recordarmos esse momento primordial, sejamos silentes.
A despeito disso, existe hoje guerra declarada ao silêncio. Máquinas de som e imagem insistem na inseminação ruidosa de nossos orifícios, em nossos ofícios. Nossos ossos pulsam com a gravidade da situação, com a gravidade dos baixos profundos, com a gravidade das gravatas e ainda com a gravidade da gravidez. Inseminados com o mesmo e variações do mesmo tema, papagaiamos o barulho pré-fabricado em nossas casas.
Ao impedir que a vontade alcance o silêncio, as irrelevâncias das informações cotidianas nos tornam dependentes de mais uma dose. Esse vício moderno que preenche os vazios, os tempos, os sentidos, me tira de mim. Me afasta a vontade e me entrega aos desejos. Vontades de ser escorregam em desejos de ter. Mas, sem o silêncio, sem esse espaço, o que ser senão o que se diz, o que me dizem, o que foi dito naquele programa?
Esse barulho que penetra a mente a partir dos tímpanos, que nos rouba a lembrança essencial, precisa ser encarado de frente. Desejo a você que ele ocorra antes e não depois que o tempo se recolha.