Cocaína: mãe dependente sem possibilidade de internar, pois não tem com quem deixar os filhos

Por Danilo Baltieri

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“Sou dependente química há oito anos e há quatro uso cocaína diariamente de uma a duas vezes. Não posso me internar, pois tenho três filhos. Não tenho com quem deixar. O que devo fazer para parar de usar cocaína ? Obrigada.”

Resposta: Cerca de 90% das mulheres que abusam de substâncias psicoativas, como a cocaína, estão em idade reprodutiva. Nos Estados Unidos da América, estima-se que cerca de quatro milhões de mulheres tenham já usado cocaína e que, anualmente, cerca de 750 mil partos sejam realizados em mulheres usuárias dessa substância. Claramente, tais dados implicam inúmeros problemas psicossociais para a genitora e para a prole, que demandam rigorosa intervenção, tanto no aspecto preventivo quanto no terapêutico.

Mães usuárias de cocaína parecem estar mais propensas a:

a) negligenciar os cuidados básicos dispensados a seus filhos;
b) manter inadequada ou pobre interação com eles;
c) demonstrar reduzida resposta afetiva a choros e estimulação tátil proveniente da sua prole;
d) evidenciar notável ambivalência quanto aos próprios sentimentos pelos seus filhos.

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Estas dificuldades na vinculação afetiva com os filhos podem também dever-se a diferentes fatores sobrejacentes ou associados, como aspectos da personalidade, sociais, culturais, ambientais e outros problemas mentais coexistentes. Outrossim, a própria cocaína provoca alterações em diversos circuitos cerebrais, como aqueles envolvidos com o funcionamento das substâncias dopamina e oxitocina, as quais estão associadas com a habilidade de sentir prazer ou perceber recompensa.

Mães que viveram, elas mesmas, situações de negligência e abuso na própria infância, podem ter dificuldades na capacidade de vinculação afetiva futura com seus filhos. Estas situações de negligência/abuso também são fatores de risco para o consumo de substâncias psicoativas posteriormente, principalmente entre mulheres. Alguns estudos mostram que cerca de 30 a 70% das mães usuárias de substâncias em tratamento declaram ter sofrido abuso sexual na própria infância. Combinando tais fatos infelizes, a mãe com problemas correntes com o uso de cocaína poderá demonstrar intensa dificuldade para cuidar dos seus filhos e estabelecer um ambiente adequado para o desenvolvimento dos mesmos.

A própria exposição pré-natal à cocaína (no ventre materno) suscita notáveis prejuízos físicos e neuropsicológicos aos nascidos, tais como:

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a) irritabilidade e inquietação;
b) instabilidade emocional e desregulação afetiva (padrões inadequados de expressão e flexibilidade emocional);
c) comportamento social prejudicado, às vezes agressivo e esquiva;
d) dificuldades de interação afetiva e estável com outros indivíduos.

O abuso de substâncias, como a cocaína, tem sido um dos principais fatores que demandam a intervenção da Justiça, em vários países ao redor do mundo, para o afastamento da genitora dos seus filhos, tendo em vista as evidências de negligência, abusos e uma miríade de consequências negativas.

Mães usuárias de drogas têm elas mesmas, de acordo com pesquisas, reportado estilos ameaçadores, agressivos, não prazerosos e, ao mesmo tempo, permissivos demais, com pouca tolerância aos comportamentos peculiares (tais como birra) das crianças.

Desta feita, o tratamento médico e psicossocial é indispensável ou mesmo imperativo.
Infelizmente, é verdade que existem vários empecilhos que dificultam as mães usuárias de substâncias na procura por um tratamento especializado. Muito amiúde, estas mães são as únicas cuidadoras dos seus filhos; a falta de acesso às creches e berçários públicos adequados é um problema de enorme impacto social. Outrossim, muitas destas mães estão desempregadas e não contam com o auxílio dos pais das crianças.

Desta maneira, um protocolo adequado de tratamento envolveria aspectos logísticos e psicossociais específicos para a situação. Como aspectos logísticos, podemos citar a necessidade de ambientes seguros para os filhos enquanto a genitora realiza seu tratamento. Como aspectos psicossociais, deve-se estabelecer um tratamento visando à abstinência completa da substância psicoativa utilizada ou abusada e a reinserção social.

É importante ressaltar, aqui, que aquelas mães usuárias de substâncias que afirmam que um dos principais e mandatórios motivos para cessar o uso da droga são os filhos têm maior chance de sucesso no seguimento terapêutico.

Quando a mãe não consegue manter a abstinência na comunidade onde vive, apesar de um tratamento ambulatorial em curso, uma internação deve ser aventada. Alguns serviços internacionais oferecem, inclusive, comunidades terapêuticas nas quais a mãe faz o seu tratamento especializado e os seus filhos são permitidos coabitar com a genitora. No entanto, serviços deste tipo são escassos ao redor do mundo, embora exista forte incentivo para o seu espraiamento e desenvolvimento.

O tratamento do indivíduo com problemas com o uso de substâncias psicoativas sempre deve ser interdisciplinar, envolvendo médicos especialistas, psicólogos, assistentes sociais, dentre outros. Alguns serviços incluem a participação de operadores do Direito, a fim de auxiliar o portador a sanar dificuldades legais.

A fórmula do seu tratamento dependerá de uma avaliação rigorosa da sua situação e da gravidade da sua doença.

Você deve procurar um serviço especializado, como um CAPS-AD (Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas) ou um serviço ambulatorial e explicar toda a sua situação sem omitir detalhes. Todos os profissionais entendem a importância da presença da mãe na vida dos filhos. Portanto, não deixe de procurar auxílio devido à vergonha ou mesmo medo de ser afastada dos mesmos.

Uma adequada verificação da sua história, bem como da existência de recursos sociais e familiares, deverá ser realizada com exatidão, objetivando o melhor desenlace possível.

A busca por tratamento é mais do que recomendada. Não perca tempo!
 
Abaixo, forneço interessante recomendação de leitura sobre o tema discorrido:

Strathearn L & Mayes LC. (2010). Cocaine Addiction in Mothers: Potential Effects on Maternal Care and Infant Development. Ann N Y Acad Sci 1189: 172-183.
 

Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.