Por que ainda não é fácil ser mulher nos dias atuais

Por Monica Aiub

Enquanto alguns dizem que as reivindicações femininas são “mi, mi, mi”, desmerecendo a causa das mulheres com uma expressão onomatopaica que “imitaria” a voz feminina, outros dizem que homens e mulheres são iguais, e isso implicaria em valorizar as mulheres, sendo as diferenças uma questão de mérito. Em ambos os casos, o preconceito vigora e é fortificado.

Continua após publicidade

Não é fácil ser mulher em “um mundo feito por homens, para homens”. Os preconceituosos de plantão diriam que esta afirmação é “mi, mi, mi”, ou a fala de quem não gosta de homens, como algumas mulheres com cargos públicos significativos disseram há não muito tempo.

O livro da ativista feminista britânica Caroline Criado Perez, Invisible Women: Exposing Data Bias in a World Designed for Men, lançado hoje pela Vintage Publisher, com um trecho publicado no The Guardian de 23 de fevereiro (veja aqui), aborda elementos importantíssimos para a discussão sobre as questões de gênero.

As pesquisas que orientam a produção em todos os setores, os equipamentos de segurança, os cuidados com a saúde, tudo, segundo a autora, é pensado a partir de um padrão de ser humano: homem, caucasiano, entre 25 e 30 anos, 70 Kilos e 1,70 m. de altura. Para economizar, por exemplo, a indústria compra equipamentos de segurança em um único tamanho, o que, no caso de homens maiores ou menores, já gera incômodos, mas os torna inadequados e perigosos para as mulheres, que muitas vezes sofrem acidentes de trabalho gerados por seus próprios equipamentos de segurança. A autora cita o caso de uma policial que precisou fazer cirurgia de redução de mamas para utilizar o colete a prova de balas, e de muitas que não o utilizam, colocando suas vidas em risco.

Carros, smartfones, tijolos, portfólios, prateleiras, banheiros, aplicativos de monitoramento da saúde, programas de reconhecimento de voz são alguns dos exemplos de um mundo construído tendo o padrão masculino como medida. Apesar de não ser a temática central de sua pesquisa, ela destaca o fato de diferenças étnicas também não serem contempladas neste padrão.

Continua após publicidade

Letícia Pozza, comentando o texto de Caroline Criado Perez, no artigo Num mundo construído sobre dados masculinos, ser mulher é um perigo (veja aqui), aponta para o fato de, no Brasil, as mulheres serem responsáveis por 40% da renda familiar, por uma grande parcela do consumo, mas, apesar disto, não terem suas necessidades atendidas, pior, ainda pagarem mais caro por alguns produtos que recebem a chamada “taxa rosa”, que torna os produtos ditos especiais para as mulheres, 7% mais caros, tendo como diferencial apenas as cores rosa ou roxa.

Definitivamente, há diferenças, especificidades do gênero feminino que não são consideradas nas pesquisas, na produção, na vida cotidiana, tornando o mundo mais difícil de se viver para as mulheres. É sobre esta “lacuna de gênero” que Caroline Criado Perez trata. É preciso que as mulheres estejam à frente em pesquisas, em tomadas de decisão em todos os setores de nossa sociedade.

Os projetos que preveem cotas para as mulheres são importantes, pois apesar de termos, em muitas áreas, forte presença das mulheres, dificilmente elas ocupam cargos representativos, e quando ocupam, muitas vezes são forçadas, para a manutenção no cargo, a “pensar” a partir dos padrões masculinos. Porém, os recentes casos das “candidatas-laranja” mostram que precisamos mais do que legislação. Precisamos refletir sobre estas questões e, principalmente, necessitamos urgentemente de posicionamentos que, de fato, permitam a representatividade das mulheres nos diferentes setores da sociedade.

Continua após publicidade

Mas como ampliar o escopo das reflexões sobre estas questões diante de projetos que impedem a discussão de questões de gênero nas escolas? Como se fazer representar quando suas reivindicações são consideradas “mi, mi, mi” ou causas de “mulheres feias que não gostam de homens”?

Se há uma homenagem de fato significativa às mulheres neste 8 de março, ela consiste em considerar as reais necessidades do feminino, dando passos para transformar este “mundo feito por homens, para homens” em um “mundo feito por todos, para todos”. Por que isto parece ser tão perigoso? Talvez nos falte responder esta questão.