Uma das possibilidades mais fascinantes em análise é o trabalho com terapia de casais. Desafiador, por natureza, coloca a nós terapeutas no centro de intrincadas discussões que quase sempre têm a ver com formas diferentes de ver e estar no mundo e que nos desafiam a rever nossa própria forma de funcionar.
Quando a terapia de casal é indicada?
A indicação para terapia de casal pode surgir a partir de várias questões:
1 – uma traição, de qualquer ordem, literal ou simbólica;
2 – um desentendimento que vai, por assim dizer, minando a relação;
3 – dificuldade para engravidar;
4 – nascimento dos filhos;
5 – crescimento dos filhos e as diferentes formas de educa-los e/ou lidar com eles;
6 – a saída dos filhos de casa e a volta à relação “apenas” a dois;
7 – doenças, traumas importantes que afetam a relação.
Raro o casal que nos procura querendo “apenas cuidar da relação”.
Cada casal, um caso
Cada casal tem sua estrutura e dinâmica específicas, a atitude, tão importante, do não julgamento se torna neste trabalho ainda mais essencial. Precisamos não julgar o casal em si, em sua dinâmica, e não julgar cada um dos parceiros da dupla em suas diferentes maneiras de funcionar. Temos em um primeiro momento ou nível a queixa comum, que é a forma como aquele casal, nomeia a questão específica que os traz ao atendimento. A queixa inicial seria a forma como o par se apresenta para nós. Ampliando e aprofundando um pouco, temos a forma como cada um dos membros do par se apropria dessa queixa, isto é, como a elabora, quais são os pontos de contato entre eles (em que concordam) e quais os pontos de atrito, suas discordâncias. Ou seja, mesmo um problema expresso a partir de um ponto de vista comum pode ter inúmeras interpretações ou trazer visões diferentes.
Dificuldade de engravidar
Exemplificando: um casal nos procura porque, com dificuldades para engravidar de forma natural, entrou em tratamento de fertilização assistida, processo que tem sido fonte de muito estresse para o casal. Nos procuram porque querem resolver esse problema; identificam uma questão importante de comunicação que dificulta a solução dessa questão.
Percebemos no início de nosso trabalho que há entre eles visões diferentes do que seria um funcionamento adequado: a mulher espera que o marido esteja tão envolvido quanto ela nas questões mais rotineiras no processo de fertilização, como acompanhá-la em todas as consultas, ser responsável junto com ela quanto à medicação, aplicação de injeções e tudo o que envolve um processo que sabemos ser muito doloroso. O marido, por sua vez, entende que está suficientemente envolvido quando decidiu procurar ajuda junto com ela, escolheu o profissional responsável pelo tratamento e mais ainda, quando aumenta a carga de trabalho para custear um processo tão oneroso. Espera, ele também, um envolvimento dela nessa questão e um reconhecimento de seus esforços.
Expectativas diferentes
Ou seja, expectativas diferentes quanto ao papel de cada um nesse processo e a dificuldade de conversar a respeito acentuam muito o estresse inerente a todo o tratamento. Questões referentes aos papéis de cada um, como cada um percebe o sofrimento e a dor do outro e a intimidade do casal estão potencializados e formam como que um campo minado.
Nosso trabalho nesses casos é, antes de mais nada, ajudar a ampliar a compreensão do problema trazido como queixa e identificar os “gatilhos” que podem dificultar a comunicação resgatando a possibilidade criativa da relação entre os cônjuges. Trabalho criativo e importante, na medida em que pode ampliar bastante o conhecimento de cada membro do par a respeito de si mesmo, fortalecendo ao mesmo tempo, o vínculo do casal.