por Ceres Araujo
As relações interpessoais são sempre relações delicadas. O ser humano necessita do outro para se desenvolver e todo o seu comportamento é modelado pelas trocas afetivas e intelectivas, que ele aprende a fazer ao longo da vida. Em função de um sofisticado mecanismo do cérebro, chamado sistema de neurônios espelho, desde o inicio da vida, pode-se ter a representação na mente do gesto, da mímica do outro e assim ajustar a própria conduta em função do que se supõe que acontece na mente do outro. O nosso cérebro é uma máquina de ler mentes.
Quanto mais próximas são as relações entre as pessoas, mais delicadas também são, pois um maior envolvimento afetivo, necessariamente, estará em jogo. É na família que se tem o aprendizado das relações amorosas, assim como também é na família, que se tem o aprendizado de relações hostis.
Na família, uma relação conjugal viva favorece muito o desenvolvimento dos papéis de mãe e de pai. Ver os pais de mãos dadas é tranquilizador e mesmo apaziguador para quaisquer fantasias de perda da criança. É evidente que os filhos apreciem muito ver os pais em harmonia.
É preciso deixar claro, porém, que discutir não é brigar, pois antes e depois de se constituírem como casal, existem duas pessoas com suas próprias identidades, o que significa: interesses, desejos e motivações que podem ser diversas. Para se constituírem como casal, afinidades são importantíssimas, mas as diferenças também são atraentes e podem trazer ganhos consideráveis ao relacionamento.
As diferenças, entretanto, trazem discussões muitas vezes. Discussões e brigas são fatos bem diferentes. As discussões podem ser saudáveis. Debates entre o casal de pais pode ser até interessante para que o filho perceba que existem pontos de vista diferentes sobre os mesmo temas e que consensos podem ser atingidos. O filho pode aprender com o comportamento dos pais a ser flexível, pode verificar que o ceder e aceitar o ponto de vista do outro é também legítimo.
As brigas entre o casal, entretanto, são sempre nocivas aos filhos, na presença deles ou não. As crianças têm sensores de alta precisão, pois sabem "ler" a mente dos seus pais. As palavras, os gestos e o tom de voz podem sinalizar a hostilidade. As brigas sempre acarretam um nível de estresse elevado que afeta a criança, gerando sofrimento e medo. Quando as brigas são constantes, esse estresse se transforma em um estresse crônico e pode trazer sintomas e doença à criança.
As brigas entre o casal trazem, com frequência, a desqualificação das pessoas. As pessoas que exercem os papéis parentais ficam denegridas, desvalorizadas e são elas que constituem os modelos de identidade para o filho. Na infância, é importantíssimo que as figuras parentais sejam valorizadas e mesmo idealizadas, para que a criança se sinta segura, protegida e internalize princípios, normas e valores de conduta. Da mesma maneira, o casal constitui o modelo de par para as futuras relações do filho.
Hoje a criança convive com muitos amigos que são filhos de pais separados e, frente à briga de seus pais, imediatamente antecipa a possibilidade deles se separarem e sofre pelas fantasias antecipatórias catastróficas, que passam a povoar sua cabecinha. Brigas constantes entre os pais mostram que o casamento está indo mal e nenhuma criança consegue viver ilesa, do ponto de vista psicológico, no velório de uma conjugalidade, que não mais existe mais entre os pais.
A vivência de relações de hostilidade na família leva à insegurança, ao medo e, o que é muito perigoso, ao enfraquecimento dos comportamentos éticos, isto é, ao enfraquecimento do respeito e do amor ao outro e à vida. A ética depende de processos de consciência, que precisam ser instalados primordialmente na família.