A crise provocada pela propagação do novo coronavírus possui implicações de toda ordem. A desmobilização geral das pessoas provocada pela necessidade de alguma quarentena, decretada ou espontânea, tem causado uma série de alterações existenciais. Algumas dessas alterações dizem respeito, inclusive, ao nosso próprio estilo de vida, à maneira como trabalhamos e como nos relacionamos com os outros, especialmente com os mais próximos. Como filósofo, tenho por hábito entender tudo errado. Então, não é nenhuma surpresa que algo diferente tenha me chamado a atenção no caso do novo coronavírus.
Essa pandemia desperta algo muito especial em nós. Isso em função do conjunto de valores que nos têm servido de guia. Afinal, trata-se da manifestação de um vetor desconhecido no interior de um modo de vida altamente controlado e gerenciado. Se analisarmos os números sobre taxas de mortalidades mundiais, veremos que o coronavírus não é um de nossos maiores problemas. Não quero aqui sugerir que a atual pandemia não seja um problema real. Me interessa justamente o fato de ela ter se tornado um problema tão real a despeito de qualquer análise racional e fria que possamos fazer – como essa baseada em estatísticas.
Coronavírus: inimigo desconhecido
Talvez o fato de não se tratar de um inimigo conhecido tenha transformado o coronavírus em um evento percebido como extremamente importante. Por se destacar contra o pano de fundo de um conjunto de doenças já conhecidas, ele parece ter ganhado em efeito psicológico muito especial sobre as pessoas. Mas se fosse isso, então todas as novas patologias deveriam produzir o mesmo tipo de efeito, o que não parece ser o caso.
Talvez seja a taxa de infecção tão elevada que assuste as pessoas. Além disso, o colapso do atendimento à saúde que essa infecção extremamente rápida provoca efetivamente apavora qualquer um. Trata-se simplesmente do temor de não receber o atendimento médico necessário para sobreviver.
Isso parece tocar em uma questão importante: não se trata de que enfrentamos um inimigo especialmente poderoso. Mesmo que ainda não exista uma vacina, os efeitos do coronavírus parecem poder ser contidos dentro de parâmetros aceitáveis. A questão é que ele excede a nossa capacidade de atender a todos em função de sua velocidade. Tudo indica que o ponto nevrálgico da atual pandemia não é uma questão científica – embora um conhecimento mais adequado sobre a atuação do vírus certamente permitirá um melhor enfrentamento de seus efeitos. A questão fundamental é a velocidade da contaminação.
Gargalo: nossa incapacidade para atender os pacientes contaminados em tempo adequado
Em uma sociedade marcada por um estilo de vida altamente acelerado não deixa de ser irônico que o pânico provocado pelo coronavírus esteja ligado à nossa lentidão em reagir. Observo que o gargalo é a nossa incapacidade para atender os pacientes contaminados em um tempo adequado. Por isso, as quarentenas visam apenas ganhar tempo e não evitar o contágio. Isto é, o coronavírus parece nos dizer que por mais que possamos correr, sempre haverá problemas mais ágeis que nós. Por mais que possamos acelerar o ritmo de nossas vidas, ainda assim poderemos ser afetados por algo que excede nossos talentos.
Qual é o seu medo?
Tudo indica que por mais que intensifiquemos o nosso atual estilo de vida, ainda assim, seremos vítimas de algo melhor dotado que nós. Por mais que nos ocupemos com segurança, um mundo ameaçador ainda estará lá fora à nossa espera. Por mais cercas e sistemas de proteção que sejamos capazes de construir à nossa volta – depois delas, naqueles redutos menos visíveis – ainda haverá um ponto cego, algo que não distinguimos com precisão nem entendemos.
Talvez simplesmente não existam soluções definitivas para nossos problemas. É possível que a solução seja bastante diferente das que temos tentado e consista apenas em reconhecer que não devemos ter tanto medo. Nesse sentido, cada um deveria se perguntar, então, qual é o seu medo.