Era do vazio… o filósofo Lipovetsky tem razão. Essa é a era em que vivemos. Um vazio que, estranhamente, ao invés de nos trazer angústia, traz apatia, narcisismo exacerbado através do controle sobre o corpo e a alma; poucas barreiras morais e uma necessidade, fora de tamanho, de desenvolver um amor-próprio que diminua a necessidade de precisar de alguém para se sentir feliz.
Enfim, uma vida no meio de tanta racionalidade não tem como não esbarrar o tempo todo no individualismo, no consumismo, numa ética hedonista e no esfarelamento da sensação de tempo e espaço.
Era do vazio, sociedade da decepção, binômio complexo
Quanto mais ofertas temos de prazer, maior é a nossa decepção com o mundo que nos cerca. O efeito do excesso do consumismo na esfera psicológica do indivíduo é a espiral da
frustração. Quanto mais somos seduzidos a comprar compulsivamente, mais aumenta a insatisfação, porque após conseguirmos sanar uma necessidade, logo surge outra e mais outra… E nessa perpétua carência, o que temos em pouco tempo se apresenta decepcionante e a ânsia se mostra permanente.
Uma vida suprida pelo lado de fora
Num momento como o que estamos vivendo, sob a égide de um vírus que não respeita nem desejos, nem sonhos, tão pouco o acervo louco das características da pós-modernidade, que suplício ficar em casa olhando a vida da janela, principalmente porque fomos treinados a achar que não é nada produtivo” sossegar, contemplar, viver a quietude, ouvir o silêncio.
Essa pandemia veio mesmo revolucionar a vida e, lamentavelmente, a sua despedida. No meio da ausência do velho (e asfixiante) cotidiano, ao contrário do que se pensa, sempre acontecem fatos que, se vistos pelos olhos do coração, revelariam detalhes surpreendentes, encantadores, delicados.
Todo dia, em alguma horinha, esbarra em nós um mimo que parece que vem do céu, como se Deus enviasse um recadinho pessoal e alentador. Mas, por serem tão sutis, se perdem pelo caminho.
Nessa quarentena desenvolvi o hábito de andar no térreo do prédio que moro após o café da manhã e, quando não é possível, por qualquer razão, vou no final da tarde quando o sol se refugia em seu descanso merecido.
Descobri no paisagismo, delicadezas que ficarão retidas num lugar de honra na minha memória como, o movimento dos botões de lírios da paz entre a folhagem para encontrar a luz e brotarem branquinhos, faceiros, charmosos…
Vi o quanto os pássaros são mais alegres e comilões quando o dia chega, o quanto eles beliscam a amoreira, deixam vestígios inquestionáveis pelo chão e o quanto são silenciosos quando a noite vem… penso: devem dormir numa paz…(quase invejável).
Percebi a diferença da intensidade do vento sobre meu corpo a cada quina do espaço que eu caminhava, ora mais presente, ora mais suave… quanta liberdade! Ele determina sua própria rota e intensidade e, como se não bastasse, ainda segue assobiando e cantando.
Esse inocente texto que escrevo agora tem a intenção de convidar a quem lê, a pensar sobre o quanto você pode levar para o retorno a vida “de antes”, a grandeza do olhar solitário, solidário ao que acontece ao seu redor e que pode fazer toda a diferença à sua interioridade.
Menos agitação, um pouquinho mais de silêncio e do olhar que busca e encontra felicidade e paz na gratuidade dessas pequenas cenas que estão por aí, por onde você caminha, pelos térreos, pelas calçadas, pelos cômodos da casa, pelas janelas e, com certeza, encherão seu coração de futuro.
“Não apresse a chuva, ela quer cair e molhar muitos rostos. Não pode molhar só o seu.
E as lágrimas? Não as seque. Elas precisam correr na minha, na sua, em todas as faces: “Acorde para ver ao longe a solidão urbana que você está impedido de tocar e encontre o amanhecer que o espera… Viva a solitude, que é o desfrutar da própria companhia e escolha eternizar o que realmente vale a pena.