por Adriana Kachani
Alagamentos X seca terrível; mansões holliwoodianas X favelas; restaurantes de luxo X fome nas ruas.
Vivemos num mundo dicotômico, cheio de extremos. E seguimos esse modelo no nosso padrão alimentar também. Fim de semana de preguiça, na praia ou montanha. Já na segunda feira, três horas de malhação na academia. Num dia comemos como se fosse a última ceia de nossas vidas. No dia seguinte, para compensar, fazemos um jejum irresponsável, acreditando ser a melhor conduta a seguir.
Em algum momento vocês pararam para pensar como nosso organismo sente tudo isso? Gosto de fazer uma brincadeira com meus pacientes. Convido-os a assumir a identidade do “Corpo” e enviarem uma carta a eles mesmos, reclamando das agruras de passar fome e fazer atividade física de intensidade máxima. Uma carta real, a ser lida em voz alta, para que seja concretizado o sofrimento sentido pelo nosso organismo em conseqüência dessa vida do “tudo ou nada”.
Sim, atividade física faz bem. Comer moderadamente após uma orgia gastronômica faz bem também. Mas isso é muito diferente de levar nosso organismo a atitudes extremas: jejum e atividade física estressante. Quando solicito diários alimentares aos meus pacientes sempre explico que cada dia deve ser escrito numa folha nova. Justamente para dar a impressão de novas chances, novas oportunidades. Se num dia a dieta saiu do limite, foi uma pena. Mas o novo dia está ali para ser iniciado da melhor forma possível. O que significa seguir as recomendações do nutricionista e personal trainer, sem inventar dietas e jejuns malucos a fim de compensar os excessos do dia anterior.
E vamos lá. Qual seria o problema dos jejuns que se seguem à culpa de termos comido tanto? Em primeiro lugar, jejuns levam a compulsões. Quando estamos famintos, comemos mais do que deveríamos. Assim, instala-se uma rotina não saudável no nosso organismo: come-se muito, faz-se jejum, come-se muito, faz-se jejum, e por aí vai, num ciclo vicioso sem fim.
Ciclo vicioso
Esse ciclo vicioso pode levar a alterações metabólicas irreversíveis. Em outras palavras, induzimos nosso organismo ao temido hipotiroidismo. Para ser mais clara, nosso metabolismo fica meio maluco, sem saber quando deve funcionar ou não, arrumando assim formas adaptativas de funcionamento a níveis bem baixos, ou seja, poupando calorias para os momentos de estiagem – o jejum. E vocês já sabem: organismo que poupa calorias, estoca gorduras.
Enquanto o nosso organismo não se adapta a esse metabolismo mais lento, outros problemas podem aparecer, tais como gastrite e até úlceras. Muito rotineiro, nosso organismo fica esperando o alimento nos horários cotidianos, secretando assim as enzimas necessárias para nossa digestão. Uma vez que essas enzimas são ácidas, se elas não encontram alimento para agir, se acumulam nas paredes do estômago destruindo sua mucosa e caracterizando as doenças acima citadas.
E não devemos nos esquecer da hipogliciemia e todos os perigosos desconfortos por ela causados: tontura, desmaios, enjoo… Quantas pessoas chegam ao meu consultório e dizem: “Doutora, sofro de hipoglicemia, o que eu faço?” Lógico que existem várias orientações pertinentes, mas a primeira que sempre vem à minha cabeça é: “Coma em horários regulares, a cada três horas”. A hipoglicemia, nada mais é do que a falta de glicose circulante no sangue, glicose essa que deve penetrar nas células para gerar energia.
Vivemos num mundo onde um vírus está à solta. Um vírus sociológico ligado a padrões estéticos onde fazemos de tudo para estarmos “seguros”. Plásticas, lipoaspirações, jejuns, dietas altamente restritivas, atividade física compulsiva. Uma “segurança” muito perigosa. E cá está de novo, a dicotomia.