por Monica Aiub
Ainda tratando da questão limite, finitude, abordada no artigo anterior (veja aqui), é interessante observar o quanto nossa sociedade torna tais questões um negócio, uma oportunidade de comércio, transformando em produto nossa necessidade de superar os limites de nossa própria natureza.
Buscamos respostas fáceis e soluções rápidas. A pílula da felicidade, a droga da longevidade, a cirurgia que esculpa corpos perfeitos, o hábito que nos torne eternos. Uma indústria é criada para atender à demanda, com produtos de todas as naturezas, nos permitindo o cuidado com o corpo, a mente, o espírito (se é que esses são distintos), a fim de atingirmos a longevidade com qualidade, a imortalidade com beleza e a disposição da juventude eterna.
Ao mesmo tempo, tudo isso tem que ser feito rapidamente, os efeitos, os resultados devem ser vistos em instantes. Algo que demore um pouco mais, não é bem-vindo, afinal: “tempo é dinheiro”, “perder tempo é perder vida”. Ficam algumas perguntas: O que fazemos com o dinheiro? O que fazemos com o tempo? O que fazemos com nossas vidas?
Observemos os produtos da morte: Você já se informou sobre o custo que a morte traz para as famílias? O quanto custa um ritual: velório, enterro, missas, etc.? Qual o custo de um espaço num cemitério? E dos complementos necessários: do caixão às flores, da maquiagem à placa, e uma série de detalhes que jamais imaginaremos se não passarmos pela situação. Além disso, ocorrem alterações nos modos de vida da família, dos próximos; se o falecido possuir bens, há um custo para o inventário; se tiver dívidas ou responsabilidades, a quem compete assumi-las? E no meio de tudo isso… o custo emocional, a perda, os sentimentos, que às vezes são além, às vezes aquém da medida. Haveria uma medida justa para o que sentimos quando alguém querido morre?
Já atendi pessoas que levaram ao consultório o fato de se considerarem “monstros”; “pessoas frias”, “anormais”, porque sentiram alívio, paz, com a morte de alguém próximo; porque não sentiram vontade de chorar; ou ainda porque sentiram menos do que o padrão exige. Como pensar num padrão para os sentimentos? Como delimitar o que devemos ou não devemos sentir nestas situações?
O modo como sentimos tem muito a ver com nossas maneiras de ser, com a forma como compreendemos a morte e a vida, com nossa cultura familiar ou mesmo com nossa história de vida e de relação com aquela pessoa.
Também atendi pessoas que procuraram terapia porque não conseguiam superar a dor depois de um tempo normal. Qual o tempo “normal” para superar a dor da morte de alguém querido? Será que a afirmação comum “ninguém é insubstituível” cabe para nossas relações mais íntimas? Obviamente, um sofrimento que se torne um impedimento para a vida, uma depressão forte derivada de tal contexto necessitam, por vezes, de um tratamento. Mas a tristeza não é necessariamente algo tratável. Talvez ela seja, para alguns de nós, parte de nossos processos vitais.
Contudo, para cada problema, e não são poucos, há soluções universais e infalíveis no mercado: para minimizar sua dor, melhor contratar uma empresa para cuidar de tudo. Aliás, se você for uma pessoa consciente e prevenida, provavelmente já terá providenciado um seguro que cubra todas as despesas, já terá dito como quer que seja seu funeral, ou melhor, já terá deixado contratada a empresa, com todos os detalhes definidos… Alguns chegam a especificar o comportamento esperado por parte de seus próximos.
Mas como conseguimos pensar em tais questões e ao mesmo tempo negamos a morte, evitando pensar sobre ela, falar sobre ela? Como é possível alguém planejar tudo e não desejar a morte? E, simultaneamente, buscar uma longevidade que beira a imortalidade? Fácil! “Questões práticas!”, dizem alguns.
Fica tudo arranjado, ninguém terá trabalho. E o sofrimento existencial, emocional? Há toda uma indústria de medicamentos para minimizar a dor. Em alguns casos, medicamentos necessários; em outros, utilizados como prevenção ou como anestésico. Afinal, por que alguém teria que suportar a dor da morte, do inevitável? E assim, esta e outras questões são tratadas cotidianamente de “modo prático”, e ao mesmo tempo com tanto envolvimento quanto necessário às relações comerciais. São produtos, criados, produzidos e comercializados cotidianamente. Criam-se soluções tanto para o que não é problema como para o insolúvel.
Enquanto isso… onde é possível refletir sobre o significado da morte, da vida, dos limites, das perdas… as questões vão ficando pra trás, e o cotidiano nos assola com a necessidade de voltar à “vida”. “A vida continua”, “É a vida…”, é preciso voltar à produção, e quanto antes nos recuperarmos, melhor ao processo produtivo. É preciso lidar com naturalidade com a morte, então por que não torná-la um produto rentável a alguns?
Da mesma maneira, outras formas de limites, de sofrimento, de tristeza são tratadas cotidianamente de modo “comercial”, com produtos de variadas naturezas, com soluções rápidas, mas sem, necessariamente, o tempo necessário para maturação, sem o cuidado da reflexão sobre o significado do que estamos fazendo com nossas vidas.
É a possibilidade desse tempo, desse espaço, que procuram muitas das pessoas que vêm ao consultório de filosofia clínica. Elas querem refletir sobre seu sofrimento, sobre suas dores, sem que lhes sejam oferecidos anestésicos ou cirurgias que lhes extirpem a raiz que, ao mesmo tempo, significa o viver e o morrer, a felicidade e a tristeza, o prazer e a dor. “Melhor sentir a dor, do que nada sentir”, dizem alguns. Enquanto outros buscam uma pílula que os faça esquecer, não sentir. Ambos são caminhos possíveis, legítimos, ao olhar da filosofia clínica. A questão é: o que cada um necessita? É algo muito singular. O que você, leitor, necessita para lidar com suas dores?