por Ceres Araujo
Caim e Abel constituem um primeiro modelo da relação entre irmãos, um modelo trágico. Inveja, ciúmes e fratricídio são os temas dessa história.
É provável que, por existir esse lado escuro na relação arquetípica entre irmãos, os pais se preocupam, desde muito cedo, em favorecer sempre o altruísmo e a amizade entre seus filhos, isto é, o lado luminoso da relação. A intenção é louvável, entretanto, as ações dos pais, nesse sentido, não impedem, necessariamente, o aparecimento das brigas e das rivalidades entre os filhos. Ao contrário, com frequência, o que os pais fazem, reforça os ciúmes e impede o desenvolvimento de uma boa fraternagem.
A preocupação já se inicia quando da gestação do segundo filho. Muitas vezes surge a pena do primeiro filho, pois se acredita que ele irá deixar de ser o centro único da atenção da família. Pena, por quê? Na verdade, ele não terá perdas, mas ganhos, dentre eles o privilégio de ter um irmão. Desses dois pressupostos decorrem duas posturas completamente diferentes, com consequências também diferentes.
Acreditando-se que a criança terá um privilégio, não se justificam presentes como consolação pela futura “perda”, mas comemoração antecipada pelos ganhos. Um irmão traz a possibilidade do aprendizado da relação de companheirismo, ensina a dividir, a cooperar, a ceder, a fazer trocas, enfim a compartilhar o mundo com as outras pessoas. São de fato, muitos ganhos.
Tratamento igualitário é prejudicial
Pensando que estão a evitar ciúmes, os pais tendem a tratar os filhos de forma igualitária, o que significa presentes para os dois, mesmos limites, mesmo horários etc. Esquecem que eles têm idades diferentes e, portanto, direitos e deveres diferentes. O nivelar as crianças da família, isto é tratá-los da mesma maneira traz ainda problemas decorrentes: o mais velho será infantilizado e o mais novo precocemente forçado a se desenvolver, o que é ruim para ambos. Além disso, tal forma de criar filhos, reforça os ciúmes dos irmãos, pois eles tenderão a disputar tudo e a controlar tudo, para verificar se não estão sendo “prejudicados”.
As crianças precisam ser individualizadas dentro da família, cada uma com suas necessidades, desejos, deveres e privilégios. Os mais velhos podem fazer coisas que os menores não podem ainda e que farão quando tiverem a idade adequada. Crescer é ganhar mais responsabilidades, mas também mais direitos. As crianças têm que ter a certeza de que é vantajoso crescer. A família é um sistema dinâmico de relações, onde cada um precisa ter seu lugar bem explicitado. Essa forma individualizada de educar os filhos não irá erradicar as brigas, as crises de ciúme, mas diminuirá a intensidade e a frequência delas.
Pais não podem se colocar no lugar de juízes frente às brigas de seus filho
Outro aspecto que merece ser lembrado é que os pais não podem se colocar no lugar de juízes frente às brigas de seus filhos. Não cabe aos pais legislar, buscar descobrir quem é o culpado, para puni-lo. Crianças brigam hoje por algo que vai acontecer amanhã. Provocações entre eles constituem um método infalível de chamar a atenção dos pais. Assim, o melhor é não entrar na discussão entre eles. É mais eficaz, se afastar para não dar plateia à briga ou então colocar os dois briguentos de castigo, sem querer saber “quem começou”.
No carro, provocações e brigas entre os irmãos são frequentes quando os pais os levam para a escola, para passeios, para viagens, etc. O nível da disputa é, às vezes, tão alto que atrapalha ou torna perigosa a direção. Para as crianças pode ser uma situação ideal para usar das provocações entre eles para chamar a atenção dos pais. Brigam pela posição no carro, disputam para entrar primeiro, encostam um no outro, reclamam do que o outro fala, do que não fala, enfim, tudo se torna motivo para querelas, nas quais o conteúdo pouco importa. Assim, discutir o conteúdo das brigas não resolve. O que funciona pode ser: impor o silêncio, voltar imediatamente para casa no caso de passeios, não levá-los para a escola por uns tempos, terceirizando a função, se possível. Em síntese, a companhia dos pais deve ser sentida como um presente, um privilégio para os filhos e eles precisam ser ensinados a merecê-la.
Existe um ditado popular que diz que quanto mais os irmãos brigarem na infância, mais amigos serão na idade adulta. Deve-se acrescentar: desde que os pais não interfiram nas disputas.