por Danilo Baltieri
"Tenho 19 anos e moro com meus pais e com mais duas irmãs menores de 9 e 2 anos. Meu pai é dependente de drogas – cola e calmantes. Ele usa cola em casa mesmo na frente de minhas irmãs menores. Ele não enxerga isso como um erro, pois segundo ele, a casa é dele, e nos estamos lá de intrusas. Que providências devo tomar?"
Resposta: É importante considerarmos alguns pontos para respondermos a esta pergunta:
a) A prevalência de consumo de álcool e outras drogas em adultos é alta no Brasil e em outros países ao redor do mundo. Estima-se que cerca de 13% e 1% dos adultos no Brasil sejam dependentes de álcool e de maconha, respectivamente;
b) Pais que consomem álcool ou outras drogas não necessariamente desempenham inadequadamente seu papel como “cuidadores”. No entanto, o consumo problemático de álcool e de outras drogas pelos pais provoca efeitos negativos sobre o crescimento e desenvolvimento dos seus filhos tanto intraútero quanto extraútero (isso serve tanto para pai quanto para mãe). Nesta mesma coluna, respondemos a algumas perguntas sobre o efeito do consumo de drogas sobre os filhos tanto quando usadas pela mãe quanto quando utilizadas pelo pai (clique aqui e leia);
c) Crianças que crescem em lares onde seus pais ou cuidadores regularmente usam drogas estão mais provavelmente em risco de demonstrar problemas com o aprendizado e dificuldades emocionais em termos de ajustamento social, controle emocional e do impulso;
d) Filhos de pais usuários de drogas estão em maior risco de sofrer abuso e negligência;
e) Filhos de pais usuários de drogas têm maior risco de usar drogas futuramente;
f) Cerca de metade dos casos de abuso sexual intrafamiliar e negligência na infância tem o abuso de álcool pelos pais como um importante fator associado.
Na verdade, pessoas consomem substâncias psicoativas por diversas razões. Algumas o fazem em situações sociais, objetivando momentos de prazer e relaxamento. Outras o fazem para lidar com a infelicidade, problemas de autoestima ou mesmo para superar sentimentos de vergonha ou culpa. Outros usuários vivem em ambientes onde o consumo de substâncias é parte integrante da cultura do indivíduo. Outros, ainda, começam a usar por diversas razões e mantêm o uso porque não mais conseguem se desvencilhar dos sintomas advindos da abstinência. Sem falar de outras pessoas que fazem uso de substâncias para lidar com sintomas de outras doenças médicas, como depressão e ansiedade.
Consumir substâncias psicoativas pode significativamente afetar a saúde física e mental do usuário e das pessoas que convivem com ele. Dependendo da substância consumida, associada com a personalidade do usuário e com uma miríade de outros fatores, diferentes consequências nocivas podem surgir. Prejuízos na coordenação motora, no controle impulsivo, na memória e no comportamento são bastante preocupantes. É muito mais fácil ocorrer um acidente doméstico, por exemplo, quando o pai tem feito uso de substâncias. Diante disso, a habilidade como pai ou mãe pode ser amplamente prejudicada, quando os mesmos estão fazendo uso de substâncias psicoativas.
Quando os genitores demonstram problemas com o consumo de substâncias psicoativas, várias funções e estruturas familiares são perturbadas, por exemplo:
a) Papéis: à medida que o pai ou a mãe demonstra problemas com o uso de drogas, outros membros da família, inclusive os próprios filhos, acabam por assumir o papel dos genitores, como disciplina, finanças, compras e manutenção da higiene no lar;
b) Rotinas: quando o genitor consome frequentemente e inadequadamente substâncias psicoativas, seu comportamento torna-se imprevisível para os demais membros familiares, como por exemplo: será que meu pai (ou mãe) se lembrou de pagar a conta de luz? Será que meu pai se lembrou de levar minha irmã ao médico? Será que meu pai se lembrou de pegar meu irmão na escola?;
c) Comunicação: as mensagens verbais e não verbais emitidas pelos genitores dependentes químicos acabam por ser mal interpretadas pelos demais membros ou mesmo ameaçadoras, o que torna a convivência ainda mais insuportável;
d) Vida Social: familiares de genitores dependentes químicos acabam se tornando cada vez mais isolados de outras pessoas, não apenas devido à dificuldade em explicar determinados comportamentos embaraçosos como também pela dificuldade dos membros familiares em contar aos outros que o pai (ou mãe) tem problemas com drogas;
e) Finanças: um declínio financeiro é esperado no contexto de genitores usuários de substâncias. Muitas vezes, o pai gasta o salário com álcool e drogas, em detrimento das necessidades básicas dos filhos;
f) Relacionamentos intrafamiliares: episódios de violência, negligência e abuso são altamente prevalentes em famílias onde os genitores são dependentes químicos.
As crianças costumam ter experiências bastante negativas, quando os genitores têm problemas com o consumo de substâncias, como por exemplo:
a) Vivência de ambientes violentos;
b) Experiências de abuso e negligência;
c) Sentimentos negativos, tais como vergonha, culpa, medo e raiva;
d) Prejuízos no desenvolvimento neuropsicomotor;
e) Isolamento social;
f) Dificuldades emocionais e de controle impulsivo;
g) Mau desempenho escolar.
Logo, como parece ser o óbvio ululante, o consumo de substâncias pelos pais é algo que precisa ser sempre combatido. Estudos têm tanto averiguado as causas principais do problema, as repercussões sobre os filhos e demais familiares bem como os fatores que pioram os resultados do tratamento médico e psicológico especializados.
Dentre os fatores de risco para um prognóstico mais complicado do problema, podemos citar:
a) Episódios de violência doméstica;
b) Abuso físico, sexual e emocional;
c) Ausência de um adulto estável (que pode ser um professor aliado, um agente de saúde);
d) Falta de busca por ajuda especializada;
e) Pai e mãe dependentes químicos;
f) O consumo das drogas ocorre dentro da própria casa;
g) Atividades criminais por parte dos pais;
h) As crianças presenciam o consumo de drogas e veem as parafernálias.
Também, existem importantes repercussões legais para aqueles que, devido ao uso de substâncias, determinam situações de risco para os seus filhos.
Conforme reza o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), “toda criança e adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substancias entorpecentes”.
Muitas vezes, os filhos de pais dependentes de substâncias podem estar em situação de risco. Configuram-se situações de risco pessoal/social na infância e adolescência, casos de:
a) abandono e negligência;
b) abuso e maus tratos na família e nas instituições;
c) exploração e abuso sexual;
d) trabalho abusivo e explorador;
e) tráfico de crianças e adolescentes;
f) uso e tráfico de drogas;
g) conflito com a lei, em razão de cometimento de ato infracional.
Em todos esses casos, a legislação brasileira, visando a proteger integralmente a infância e adolescência e o bem comum, estabelece normas a serem seguidas.
O abandono e a negligência baseiam-se na falta de assistência de pais ou responsáveis quanto à segurança, educação, saúde e formação moral. Se constatadas negligência e falta de condições psicológicas, e não apenas falta de recursos materiais, pode ser aplicada aos pais ou responsáveis a perda da guarda de crianças e adolescentes, conforme art. 33 do ECA.
Também, o Código Penal Brasileiro reza em seu artigo 136 sobre os maus tratos:
Art. 136 – "expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena – detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa.§ 1º – se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos. § 2º se resulta morte: Pena – reclusão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze anos)”.
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) determina que os casos de suspeita ou confirmação de maus tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais (art. 13) e, ainda, tipifica como infração administrativa sujeita à penalidade, o fato de médico, professor ou outro profissional responsável por estabelecimento de atenção à criança ou adolescente não comunicar tais casos às autoridades competentes.
Na verdade, aqueles que padecem de dependência química devem ser incentivados a procurar tratamento médico especializado e devem ter o direito de encontrar serviços especializados para realizar o tratamento. Cada forma de abordagem médica e psicológica deve ser adequadamente individualizada.
Você tem duas irmãs menores de idade e um pai que, segundo o seu relato, faz uso inadequado de substâncias psicoativas com repercussões negativas para o desenvolvimento das menores. Converse com o seu pai sobre o problema e o incentive a procurar o tratamento médico e psicológico especializado. Se houver outro membro familiar adulto que compartilhe das suas preocupações, tente angariá-lo como parceiro nesta empreitada.
Se a sua atitude não resultar na busca ativa por ajuda especializada por parte do seu pai, procure você mesma um tratamento especializado para ajudá-la e suas irmãs. Neste momento, não parece ser apenas um direito de realizar um tratamento, mas também um dever de fazê-lo de forma adequada e imediata. Juntamente com o profissional de saúde, você poderá ter um ambiente adequado para expor o problema e tentar resolvê-lo da melhor forma possível. Isso deve ser feito rapidamente e, certamente, você poderá obter sucesso com o que espera e merece.
Abaixo, forneço interessante referência bibliográfica embasando o descrito acima:
Velleman R, Templeton L. Alcohol, drugs and the family: results from a long-running research programme within the UK. European addiction research. 2003;9(3):103-12.