por Lilian Graziano
Sabe-se que a tecnologia é ao mesmo tempo vilã e mocinha dos tempos atuais. Muito de nossa percepção de que o tempo acelerou, passando mais rápido nos últimos anos, por exemplo, veio junto com as mais modernas invenções que nos permitiram realizar mais e mais coisas no dia, fazendo parecer que ele ultrapassa as 24 horas. A vilania, neste caso, acompanha o fato de que algumas delas nos colocaram plugados à rede mundial de computadores, interrompendo nosso descanso, retirando-nos do ócio que nos reintegra e faz refletir sobre a vida, restabelecer e reordenar as energias.
Por outro lado, as fronteiras nunca foram tão curtas. O ser humano tem a possibilidade de se conectar a outro muito distante fisicamente, de vivenciar experiências e emoções positivas também por meios virtuais, além das milhares de descobertas tecnológicas que auxiliam os serviços de saúde pública, a educação, dentre várias conquistas que obtivemos e que podem nos proporcionar melhor qualidade de vida e suporte social.
O movimento da Psicologia Positiva não deixou de fora a tendência, e usa a tecnologia em favor de nossa felicidade por meio de muita pesquisa e desenvolvimento (de comportamento, hardware, software… tudo que possa nos auxiliar nesse sentido).
Expoentes do movimento defendem, por exemplo, a fotografia digital como hobby e forma de promover o mindfulness (a integração ao momento) e o savoring (o saborear do momento). Outros especialistas criaram jogos e atividades que nos tiram o foco da negatividade com apenas um clique.
Diários eletrônicos de emoções positivas, de gratidão, os chamados “journals”, já bastante difundidos em modelos analógicos (cadernetas de todos os formatos e com todo o tipo de decoração), viraram apps de fácil acesso via celulares e tablets.
Games em que somos recompensados ao reconhecermos palavras positivas e recusarmos as de conotação negativa, entre outros targets que acionam igual e positivamente nosso sistema límbico (região do cérebro responsável por nosso sistema de recompensa e emoções) têm feito sucesso na rede e também têm suas versões para dispositivos mobile.
Uma rápida busca nas lojas de aplicativos para esses gadgets nos remete a uma infinidade de programas que prometem nos iniciar e manter na prática da meditação, por estímulos sonoros, visuais, interfaces quase hipnóticas, dentre outros recursos que existem, paradoxalmente, para nos colocar em contato com nossa paz interior e quietude, algo que nos aproxima de nosso bem-estar subjetivo.
Vale lembrar que, no entanto, tudo isso é como um treino mental e neurológico, que tem como objetivo nos elevar a um novo patamar na busca por uma vida mais feliz. Deve ser utilizado com essa função para produzir algum resultado que vá além do simples entretenimento. Por si não fará milagres e não transformará nossa acelerada existência em uma jornada plena e bem-vivida.
Há uma peça-chave que dá sentido a essas ferramentas eletrônicas que nos aludem a tal jornada: nós mesmos.
É o indivíduo que determina se cada uma dessas ferramentas será vilã ou mocinha dos seus dias atuais. Utilizá-las como vilãs pressupõe que as usaremos como substitutas inócuas de experiências positivas analógicas e offline, apenas nos desconectando de nosso meio social para proporcionar passatempos vazios.
Entendê-las como mocinhas, por sua vez, faz com que, em qualquer contexto, mesmo que a tecnologia em questão não seja fruto de pesquisa e desenvolvimento em Psicologia Positiva, usemos essas novidades tecnológicas em favor de nosso profundo bem-estar, indo além do prazer momentâneo e viciante dos games.
É quando qualquer Pokémon GO vira um artifício capaz de exercitar nossa conexão com o que temos de melhor. Seja na interação social que nos dispomos a fazer com qualidade durante o jogo, seja no entendimento e reflexão sobre cada emoção despertada, seja na atenção a cada detalhe da experiência… O importante é esse olhar atento àquilo que nos conduz à plenitude, que pode ganhar uma lente bem ampliada com o advento da tecnologia.
Uma coisa é certa: se estivermos, no mundo analógico e offline, mais orientados a esse olhar, nossa percepção e aproveitamento de qualquer novidade online e eletrônica será diferente. Esta, por sua vez, se absorvida nesses moldes, aprofundará nossa perspectiva positiva.