por Roberto Goldkorn
A depressão parece uma legião de fantasmas assombrosos invadindo o nosso planeta. Há trinta e quatro anos orientando pessoas, nunca antes me vi cercado de tantas queixas de depressão e seus estragos como agora. É desolador o mundo de quem sofre dessa doença.
Cada vez mais acredito se tratar de uma doença do mundo atual, ou seja, que no atual cenário se tornou epidêmica. Considero tão importante a depressão, que ao longo desses dez anos já tratei do assunto pelo menos umas cinco vezes, mas buscando ângulos diferentes.
Claro que não sou daqueles que minimizam os aspectos patológicos da depressão. Não há dúvida de que se trata de um grave desequilíbrio da química cerebral. Também acredito que um componente espiritual esteja presente em alguns casos. Como doença do mundo atual, acredito que haja um efeito "contágio". A energia da depressão tem seu próprio magnetismo e como tal se propaga. Como se propagada a energia da violência, da intolerância, da raiva.
Essas grandes emoções são contagiantes e criam na realidade tridimensional as razões concretas para que tudo isso se propague e seja "aceito" por quem tem alguma afinidade. Assim, temos a raiva coletiva, a intolerância coletiva, a infelicidade coletiva e a… depressão coletiva. A brutalidade num mundo mais consciente de sua humanidade, a comunicação global em tempo real sem dar tempo ao tempo, para que as más notícias cheguem atenuadas, tudo contribui para alimentar esse Godzila de energia destrutiva.
Vejo um imenso oceano oculto de energias como correntes marinhas emaranhadas nos influenciando sem nos darmos conta disso.
Para ficar mais claro, costumo comparar esses fatores emocionais aprisionantes com a droga ou o álcool. Tudo isso age nas mesmas áreas cerebrais e provocam as mesmas sensações que arrastam suas vítimas a uma "margem" da vida, que pode ser até confortável, mas é tão próxima do outro lado…
A depressão como doença neuroquímica deve ser tratada com remédios e terapias, mas a energia da depressão que se espalha como gás tóxico, perigosamente, não tem tratamento.
Muitas pessoas que reclamam do tédio, da mesmice, da rotina, ou sofreram algo que lhes deixam vulneráveis à influência nefasta da depressão, podem adquirir sintomas da doença sem realmente estarem depressivos. Gente que se sente só, abandonada, ou marginalizada pela "sociedade" é presa fácil dessa energia.
O que fazer então para prevenir a contaminação por essa superbactéria energética?
É fundamental ter um fio condutor. Algo para se agarrar para escapar do labirinto. Mais ainda – esse fio condutor precisa ser luminoso, pois a gente sabe que existem fios condutores do "mal" como já foi dito acima, a raiva, a intolerância, o fanatismo ideológico ou religioso, são fios condutores, mas a gente sabe onde levam e como levam a esse buraco negro da existência.
O fio condutor é fazer o bem
Fazer o bem, obstinadamente, como profissão de fé, ou como estratégia.
Mirar no tanto que há para fazer, e fazer.
Ontem vi na TV uns meninos e meninas que levaram iluminação alternativa a bairros da periferia de SP que ficavam nas trevas assim que escurecia. Esses estão imunizados pela vacina do "fazer o bem". A energia da depressão vai ter de brigar bastante para penetrar em seus espaços mentais já ocupados, e alimentados pelo retorno energético de suas ações benfazejas.
Mas existem milhares de formas de fazer o bem, nem sempre é fácil essa ação ou tranquilo de se definir. Muita gente acredita estar fazendo o bem, matando outras pessoas ou torturando. Fazer o bem requer um tanto de inteligência e de índole.
Fazer o bem, não vai mudar o mundo, e se esse é o objetivo, desista antes de começar, porque na esquina lhe esperam a frustração e a raiva. Mas perguntará você, se eu aceitar a ideia e sair por aí para fazer o bem, e não vou mudar o mundo, vou fazer o quê? Vai construir o fio condutor, vai criar uma blindagem mental, direcionar a mente e ocupar os espaços internos de modo que os demônios sombrios que nos rondam, tenham muita dificuldade de entrar.
Vou repetir para barrar o mau entendimento: Depois que a depressão, doença original se instala, há que combater com drogas, muita terapia e apoio espiritual. Mas o bafo dessa energia se propaga, assim como o bafo da violência e da destruição. Para se defender dessa irradiação, a prática do bem, de forma determinada, é uma das melhores armas de defesa, é digamos assim, uma arma eficaz de medicina preventiva.
Quando se toma essa decisão, mesmo que não seja como estratégia de prevenção, a prática do bem, de estar-se disponível para melhorar a vida do outro (e a de si mesmo) é curativa. O retorno da satisfação da prática do bem – com desapego do resultado – é um complexo vitamínico tão poderoso que é capaz de rejuvenescer, e de criar sucessivas barreiras à ocupação da energia depressiva.
A palavra ocupação aliás, é bem significativa. Se trata de ocupar "espaços" virtuais com projetos de vida modificadores de realidade. Pode-se argumentar que muitos grupos militantes ideológicos e religiosos também fazem uso de programas altamente motivadores e ocupadores de espaço mental e espiritual. Isso é verdade, mas qualquer militância que deixe rastros de infelicidade, de opressão e cerceamento de liberdades alheias, vai em algum momento trazer, suas consequências negativas, ou gerar conflitos, reações que podem iniciar uma cadeia de dor e males.
Como se sabe, qualquer cadeia tem por natureza prender.
Já engajar-se na prática do bem é sempre libertador – como os jovens que levam luz para comunidades abandonadas à própria sorte nas periferias.
Muitos podem pensar com preguiça que esse negócio de se engajar na prática do bem, dá trabalho, requer atenção constante e sacrifícios pessoais. Não vejo a coisa dessa forma. O lado oculto desse decreto pessoal, é que a mudança de direção é feita internamente, por um contrato firmado dentro da sua mente, tendo apenas "Deus como testemunha". Uma vez que essa diretriz é estabelecida, (e periodicamente reforçada-relembrada), podemos relaxar e aproveitar as oportunidades que a vida nos der para entrar em ação.
Vai aqui uma lista de pequenas sugestões de como se engajar na prática do bem:
– Ajudar um amigo com um favor simples (desde que esse favor não prejudique outras pessoas ou infrinja regras sociais).
– Catar o cocô do cachorro na rua, mesmo quando ninguém estiver vendo.
– Reciclar o lixo.
– Policiar o próprio preconceito. Lutar contra a tentação de mentir (lembre-se que a mentira tem vários disfarces).
– Ouvir com paciência e interesse alguém que só precisa desabafar. Ser uma presença real para a solidão alheia.
– Exercer a cordialidade e a simpatia no trato social.
– Não exercer o ódio nas redes sociais.
– Negar-se a alimentar o crime, ao comprar material roubado, ou consumindo produtos ilícitos.
– Fornecer informação útil para quem eventualmente precisar.
– Colocar-se no lugar do outro-sempre.
A lista é infinita, e como é possível ver, nem mesmo arranhamos a prática do bem como profissão ou missão – como os jovens do projeto de iluminação alternativa. Reparem que uma vez iniciado o processo, ele se incorpora ao comportamento. Mas não nos enganemos, as armadilhas estão nos espreitando a cada esquina. Uma necessidade que encontra uma oportunidade, pode nos instigar a comprar um pneu que a gente sabe que foi furtado de alguém. Uma preguiça ou mau humor pontual pode fazer com que a gente deixe o cocô do cachorro onde está para que alguém pise. Existem programas piratas, emoções vilãs oportunistas que nos rondam, porque são energias e como tal circulam livremente entre nós no vasto oceano que nos rodeia.
Portanto, assim como a vitamina C que devemos tomar preventivamente para evitar o ataque dos vírus e bactérias do mal, temos de nos vacinar a cada dia com o nosso propósito, a nossa adesão à prática do bem. Temos de nos perguntar diariamente: "Qual é o nosso negócio? " A isso eu chamo de apertar os parafusos.
Recapitulando… não existe aqui espaço para a crença na recompensa ou no reconhecimento, isso não faz parte do pacote. Não podemos alimentar expectativas de aplauso ou de mudar o mundo, isso não faz parte do pacote. Qualquer contrato "casado", qualquer interesse extrafinalidade, vai gerar o efeito oposto e abrir as portas para os demônios da frustração, e seus primos depressivos.
Sei que tem gente espertinha que vai sacar: "Mas essa ideia de fazer o bem como estratégia de proteção, é uma visão egoísta, tem por finalidade apenas a autoproteção e não o bem comum." É verdade, tenho de confessar. Mas dou a resposta em forma de questão: "E daí?"
Pergunte ao amigo que recebeu um favor de sua parte, ou a senhora que ao descer de seu carro não pisou no cocô do seu cachorro, se eles se importam. Quando você age no sentido de manter a sua saúde mental e assim interromper a corrente do mal, da depressão, retirando na estatística mais um ser que sofreria e que faria sofrer os que estão à sua volta, isso é o bastante. Isso é libertador.
Termino com a frase exemplar do C.G. Jung: "Tudo quanto começa, sempre começa pequeno. Não nos deixemos abater pelo laborioso trabalho executado discreta, mas conscientemente com cada pessoa em particular, embora nos pareça que a meta que buscamos está longe demais para ser alcançada. No entanto, a meta do desenvolvimento e da maturação da personalidade individual está ao nosso alcance. À medida em que nos convencemos de que o portador de vida é o indivíduo, se conseguirmos que pelo menos uma única árvore dê frutos, ainda que mil outras permaneçam estéreis, já teremos prestado um bom serviço ao sentido da vida. Mas quem tiver a pretensão de fazer prosperar até o último grau tudo quanto deseja crescer, vai verificar que as ervas daninhas, que sempre vingam melhor, logo lhe crescerão por cima da cabeça." (C.G. Jung, A Prática da Psicoterapia, Ed. Vozes, Rio de Janeiro, 1981).