Por Ângelo Medina
Nesta entrevista ao Vya Estelar, o Doutor em Psicologia do Esporte e professor de Educação Física da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Renato Miranda, mostra que as mesmas habilidades mentais utilizadas para se tornar um atleta vencedor servem para sermos bem-sucedidos na vida. O tema desta entrevista foi o mote de seu livro “Construindo um Atleta Vencedor” (Editora Artmed) em parceria com Maurício Bara também com doutorado na disciplina.
E para este ano uma novidade: Renato pretende lançar no segundo semestre seu quarto livro, o segundo com textos publicados com exclusividade aqui no Vya Estelar, o primeiro, com mais de uma centena de textos, foi publicado em 2014: "Reflexões do esporte para o desempenho humano", Editora CRV. Seu bem-sucedido lançamento aconteceu no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes em Juiz de Fora.
Desculpem-nos por este pequeno interlúdio literário-esportivo e voltemos agora à nossa entrevista. Bem… Renato explica como o esporte pode ajudar uma pessoa a se tornar vencedora na vida. Ele fala sobre motivação, concentração, preparação psicofísica e flow-feeling – o estado mental de fluir na vida e no esporte.
Ele dá conselhos para atletas que participam de competições de alto nível, fala sobre a condução de vida e carreira, tanto para atletas amadores como veteranos, e comenta sobre o preparo físico e mental do atleta brasileiro.
Vya Estelar – Por que escrever um livro com essa abordagem sobre a elaboração de um atleta vencedor?
Renato Miranda – Nossa ideia original foi a de promover um conhecimento em esportes que ultrapassa os âmbitos tradicionais do treinamento esportivo, embora não os neguemos. É levar ao leitor conceitos e vivências relacionados com o bem-estar do ser humano sem desprezar o desempenho atlético. Atleta vencedor para nós, é aquele que se envolve com os valores humanos positivos durante sua formação profissional.
Vya Estelar – De que forma o esporte (e atividade física) podem ajudar uma pessoa a se tornar vencedora na vida?
Renato Miranda – Vencer na vida para nós é investir no difícil treinamento da vida interior do ser humano, a fim de harmonizar emoções e consequentemente harmonizar sua vida perante os outros e contribuir, através de suas ações, para um mundo melhor. Nesse sentido, o esporte e a atividade física funcionam como um excelente instrumento dinamizador dessas possibilidades reais.
Vya Estelar – Neste objetivo há diferença – mais ou menos eficiência – em relação a esportes individuais e coletivos?
Renato Miranda – Na verdade a raiz esportiva é a mesma, tanto para esporte individual como coletivo. Ou seja, o esporte existe para nos auxiliar na construção de uma personalidade socialmente desejável e providenciar divertimento para uma vida melhor. O esporte pode auxiliar a nos tornarmos nobres.
Vya Estelar – De que forma o esporte nos transforma em pessoas emocionalmente ou psicologicamente melhores?
Renato Miranda – O esporte favorece a vivência de diversas experiências (individuais e coletivas) que auxiliam a formação de uma ótima personalidade. Ou seja, treinamentos, competições, viagens, eventos locais, nacionais, internacionais… enfim, tudo isso auxilia o amadurecimento emocional através de tensões, alegrias, tristezas, sucesso, frustrações e outras experiências vivenciadas que exigem participação, envolvimento, tomada de decisões, companheirismo, enfrentamento de desafios e muitas outras oportunidades de manifestação pessoal que é pertinente ao ser humano.
Esporte é metáfora da vida
O esporte auxilia as pessoas a se tornarem nobres porque funciona como uma metáfora da própria vida e, portanto, desde cedo uma pessoa aprende que os valores pessoais positivos como honestidade, reconhecimento e solidariedade entre outros, são aquilo que realmente marcam nossa existência. Decerto, há sempre alguém a afirmar que isso tudo é bobagem, pois no esporte profissional vemos atitudes totalmente discrepantes a tudo isso e, no entanto, são atitudes que não evitam o sucesso e a glória. Em minha opinião tal fato não é regra é exceção, ademais como eu disse, o esporte favorece a construção desses valores (nobreza), mas não possui certificado de garantia.
O primeiro passo para que o esporte nos traga esse benefício está na iniciação esportiva e durante a especialização – fase que coincide com a pré-adolescência e a adolescência propriamente dita. Se nesse momento o esporte for liderado por uma pessoa de alta qualidade pessoal e profissional, é bem possível que o esporte sirva como instrumento de formação de personalidades de alto nível. Não é à toa que em nosso livro há um capítulo que se dedica ao esporte infanto-juvenil.
Vya Estelar – Na correria dos dias hoje como uma pessoa deve fazer para motivar-se a iniciar uma atividade física e depois mantê-la?
Renato Miranda – Costumo dizer o seguinte em meus escritos sobre esse assunto: Tudo que nós consideramos importante em nossa vida, nós valorizamos e, conseguinte, nos interessamos (providencia a motivação!). Muito bem, quando aceitamos que nossa saúde psicofísica é o que de mais valioso possuímos e é na atividade física e esportiva que encontramos uma de suas bases, logo nada mais interessante do que um bom programa de atividades esportivas/ou físicas. Ou seja, o comportamento esportivo gera motivação porque vai ao encontro de nossos interesses pessoais de bem-estar.
Vya Estelar – O que é a experiência do fluir (flow-feeling), o que ela possibilita e o que é necessário para vivenciá-la?
Renato Miranda – Vou tentar sintetizar a resposta a essa pergunta, que no livro foi feita em um capítulo, pois, é um tema muito intrigante, altamente sofisticado e novo nos estudos sobre esporte e comportamento humano. O flow-feeling é um estado mental em que as pessoas parecem fluir, quando mostram um esforço produtivo e motivado. No estado de flow (fluir) a pessoa realiza tarefas com alto grau de desempenho, associado às várias emoções relacionadas a comportamentos positivos funcionais. O fluir possibilita realizações e o desenvolvimento pessoal, tanto no esporte como na vida de modo geral. Além disso, cria autoconfiança e harmonia, gera satisfação, motivação, libera energia psíquica e entre outras possibilidades a vida se torna mais dinâmica, mais envolvente e significativa. Para a pessoa fluir basicamente é preciso: relacionar a estrutura da atividade à habilidade do atleta (pessoa!), oferecer percepção de descoberta, impulsionar o atleta para padrões mais elevados de desempenho e ampliar aptidões para um nível de consciência jamais imaginado pelo atleta.
Vya Estelar – É possível atingir a vitória em competições sem a experiência do fluir?
Renato Miranda – Essa é uma pergunta que alguns pesquisadores americanos e australianos vêm tentando responder nos últimos anos. Embora as pesquisas ainda não sejam conclusivas, têm-se detectado que há uma grande possibilidade dessa hipótese ser confirmada. Portanto, possivelmente quando atletas conquistam sucessos concretos o flow-feeling está presente.