por Renato Miranda
No Brasil constato um fato muito intrigante no esporte: Atletas e treinadores consideram os aspectos psicológicos intervenientes no esporte fundamentais para o sucesso no esporte: concentração, motivação, controle do estresse e outros, formam um conjunto de aspectos ou habilidades psicológicas essenciais.
Não obstante, atletas e treinadores ao se depararem com possibilidades de treinamentos e intervenções para a melhoria de suas habilidades psicológicas, tendem a rejeitar, desconsiderar e desvalorizar esse tipo de treinamento.
Sem entrar em maiores detalhes polêmicos e tampouco discorrer sobre o porquê desses “preconceitos”, proponho 10 passos para mudarmos essa situação, que entre outras, compromete o rendimento dos atletas e outros benefícios que a prática esportiva bem orientada poderia oportunizar.
1º) A psicologia do esporte tem sua matriz de conhecimento próprio
A psicologia do esporte é um campo de conhecimento independente, que possui suas teorias, tecnologias, metodologias e características próprias e devem estar associadas ao esporte em questão. Em outras palavras, a formação do profissional deve ser orientada especialmente para a atuação no esporte. Isso parece muito óbvio, mas na prática não acontece. Normalmente o que há é a intervenção do profissional habilitado (psicólogo), mas sem conhecimento em psicologia do esporte e nesse caso ocorre uma incompatibilidade que gera preconceitos, tensões e fracasso no trabalho. Ou então, o trabalho é realizado por alguém sem formação alguma, o que gera uma conseqüência ainda pior.
2º) O especialista em psicologia do esporte deve saber sobre o esporte que ele atua
Além do conhecimento especializado é exigência saber sobre as particularidades do esporte em questão. A experiência geral sobre a percepção de técnicos e atletas é rechaçar qualquer atuação de alguém que não entende sobre sua modalidade e, portanto, não sabe sobre as tarefas e desafios próprios e concretos que atletas e treinadores têm de enfrentar. Saber sobre as regras do esporte, técnicas e táticas utilizadas, entre outros é essencial para uma boa repercussão do trabalho psicológico.
3º) O especialista em psicologia do esporte deve saber sobre treinamento esportivo
Treinamento esportivo é um campo de conhecimento muito importante no esporte. Preparação física, técnica e tática estão interligadas nesse campo e constituem o foco do desenvolvimento de teorias e metodologia do treinamento esportivo. Entender sobre planificação (periodização do treinamento esportivo), didática de sessões de treinamento, sustenta a projeção do trabalho psicológico.
4º) A atuação do treinamento psicológico deve focar a resolução de problemas no local de desempenho do atleta
O atleta necessita aprender e treinar: sua atuação depende tanto de seu corpo, como de sua parte psíquica (mental e emocional). Para isso, treinamentos especializados no próprio local de atuação são desenvolvidos e aperfeiçoados. Assim sendo, poderíamos baseado no exemplo do goleiro de futebol, resumir essa atuação. O goleiro deve treinar psicologicamente associado a suas tarefas em campo, tais como: controlar as tensões na hora de uma disputa de pênaltis, como agir para acalmar a equipe no momento de pressão, regular a excitação nervosa no início de uma disputa importante, mobilizar a mente para se redimir de uma falha no jogo, regular a ativação psicofísica (ansiedade) nas intervenções durante o jogo, etc.
5º) O treinamento psicológico deve ser associado, multidisciplinar e interdisciplinar
Em um sistema de treinamento a parte psicológica está integrada em um todo complexo e sofisticado. Em outras palavras, treinamento psicológico só tem repercussão positiva se há integração com a preparação física, técnica e tática, além de relações com as questões biológicas (saúde do atleta), sociais (comportamento e vivências) e médicas (clínicas, ex. lesões/ recuperação). Portanto, o treinamento psicológico é parte de um sistema único e não deve ser abordado de maneira desconectada. Em resumo, técnicos, preparadores físicos e demais integrantes de uma equipe, trabalham juntos com o especialista em psicologia do esporte.
6º) O treinamento psicológico deve ser estendido aos técnicos e executado também pelos próprios atletas
O treinamento psicológico deve atingir os técnicos. Ou seja, as exigências psíquicas (motivação, concentração, controle do estresse, etc.) são peculiares ao trabalho do técnico. Por exemplo, aprender a ampliar o foco de atenção para a montagem de uma estratégia ou tática, controlar as emoções durante uma competição, motivar a equipe e a si mesmo e outros. Ademais, atletas devem aprender a executar técnicas próprias (treinamento autógeno) a fim de saberem, por exemplo, relaxarem para dormir melhor, controlar a excitação antes, durante e depois da atuação esportiva, mobilizar a concentração e outros.
7º) O treinamento psicológico deve começar cedo
No momento em que jovens começam a treinar especialmente as técnicas, táticas e as capacidades físicas devem também treinar suas habilidades psíquicas (por ex, concentração).
A exigência psíquica acompanha o jovem atleta desde quando o mesmo iniciou sua prática esportiva. Lembre-se, treinamento psicológico não serve apenas para atleta de alto nível.
8º) Habilidades psicológicas melhoram com treinamento físico, técnico e tático de qualidade
Muitos atletas (principalmente os campeões) afirmam que não precisam e nunca precisaram de treinamento psicológico. Isso acontece por que de fato, quando o atleta está bem física, técnica e taticamente, conseqüentemente seu estado psíquico (mental e emocional), repercute positivamente. Em outras palavras, ele fica motivado, concentra-se facilmente, fica relativamente tranqüilo, pois sabe que está em forma e tudo o mais.
Esse fenômeno ocorre porque os seres humanos são unos, a idéia da dualidade corpo e mente está superada. Como escrevemos em textos anteriores, tudo aquilo que acontece com meu corpo, tem conseqüências psíquicas e tudo que acontece com meu psiquismo tem conseqüências corporais. Mesmo assim, se esses atletas em plena forma somassem a essa condição o treinamento psicológico, eles teriam um desempenho ainda melhor.
9º) O treinamento psicológico deve fazer parte do planejamento da preparação do atleta
Os atletas de qualquer modalidade iniciam a preparação esportiva com antecedência planejada em relação ao início da competição. O treinamento psicológico deve estar contido nesse planejamento desde o início do processo de treinamento e não apenas semanas ou momentos antes do início da disputa esportiva. Chamar um especialista para dar uma ou outra palestra dias antes da intervenção tem um impacto diminuto, para não dizer, insignificante e com conseqüências irrelevantes. Para se ter realmente um impacto altamente desejável, o treinamento psicológico anterior deve estar em um ótimo padrão de desenvolvimento.
10º) Treinamento psicológico não é panacéia
O treinamento psicológico é mais um aspecto da formação e treinamento do atleta. Ele (o treinamento) não é menos ou mais importante que o treinamento físico, técnico e tático. O treinamento psicológico é componente fundamental tal como os demais, daquilo que se convencionou chamar de sistema de treinamento. Além disso, em cada treinamento específico há influência e/ou participação de habilidades adjacentes desenvolvidas paralelamente. Ou seja, um treinamento técnico se relaciona com a parte física, um treinamento tático insere componentes psicológicos, um treinamento psicológico reverbera na parte técnica e assim sucessivamente.
Por último, é importante refletir sobre a seguinte situação: toda vez que uma derrota acontece, os motivos sempre estão relacionados à parte psicológica. Mas sabemos que nem sempre a derrota advém das questões psicológicas, muitas vezes o motivo é de origem física e/ou técnica e tática.