Por Larissa Fernandes
A forma como a exclusão e a violência afetam sujeitos vem sendo estudada a partir do ponto de vista da psicanálise.
Pessoas à margem da sociedade podem ter as suas experiências ouvidas levando-se em conta seus contextos e suas especificidades por meio da prática psicanalítica caracterizada como clínico-política.
Adolescentes em conflito com a lei, população em situação de rua, imigrantes e refugiados são alguns dos grupos acompanhados pelo Laboratório Psicanálise e Sociedade do Instituto de Psicologia (IP) da USP.
Para além da escuta, é importante relembrar os sujeitos que têm seus direitos violados sobre os sonhos e desejos que carregam, explica a professora Miriam Debieux Rosa, coordenadora do Laboratório.
Entre os trabalhos realizados, o grupo Veredas – Psicanálise e Imigração tem como foco auxiliar no processo de superação de refugiados. Alguns desses imigrantes possuíam uma postura combativa até serem atingidos pela violência. Longe de familiares e de sua cultura, passam a adotar uma atitude mais conformista, conta a psicanalista. As marcas do trauma os impedem de relatar os acontecimentos vividos, reportando os fatos de forma genérica.
Algumas histórias são marcadas por abusos e assassinatos cometidos por questões políticas. Debieux aponta o relato de Ivo (nome fictício) que, junto com o irmão, encontrou a sua casa incendiada por rebeldes no Congo. Nela, estavam seus pais e outros familiares. Refugiado no Brasil, seu maior sofrimento é não saber o paradeiro do irmão – ambos se distanciaram em meio à fuga.
Nesses casos, em um primeiro momento, a clínica psicanalítica busca contribuir para que o indivíduo esqueça a narrativa genérica, para que assim, possa falar de si. “Muitas coisas se transformam na vida desse sujeito, ele praticamente tem de se reinventar. Isso não se faz sozinho, se faz na relação com o outro”, afirma Debieux. O próximo passo, então, é ajudá-los a retomarem a posição de sujeitos de desejos, com uma trajetória de luta.
Não é psicoterapia
O método distingue-se da psicoterapia – em que se pressupõe um longo período de atendimentos. Pelo contrário, os profissionais se colocam a disposição para ouvir os sujeitos, sem que necessariamente seja estabelecida uma relação contínua. Algumas conversas e reflexões permitem que eles se reorganizem frente às suas angústias, para que possam aproveitar as oportunidades no novo País.
A psicanálise não está sozinha nesse processo, a professora explica que é necessário a união entre diferentes entidades, como as que lutam pelos direitos humanos, por moradia e trabalho.
Ele [refugiado] não consegue se sentir merecedor de cuidado em relação às suas dores psíquicas”.
Devido à dificuldade justificada em estabelecer relações de confiança, a aproximação com essas pessoas é feita através de parcerias com organizações como a Casa do Migrante, abrigo para imigrantes localizado na cidade de São Paulo. No caso dos adolescentes, as equipes – formadas por mestrandos, doutorandos, pós-doutorando e professores – recorrem aos equipamentos que prestam assistência, tal como os serviços socioeducativos.
O trabalho realizado por Debieux ao longo de 15 anos está registrado no livro A Clínica Psicanalítica em Face da Dimensão Sociopolítica do Sofrimento, primeiro lugar na categoria Psicologia, Psicanálise e Comportamento do 59º Prêmio Jabuti. A professora reuniu e editou artigos feitos durante a sua experiência profissional, nos quais aponta como a psicanálise pode criar meios de intervenção para os casos de pessoas que não se enquadram em um discurso hegemônico.
A atuação junto a filhos de refugiados está entre os projetos futuros do grupo Veredas. Segundo Debieux, algumas escolas têm encaminhado crianças com diagnósticos psíquicos graves, sem que seus contextos tivessem sido analisados.
“Faremos uma reflexão sobre como lidar com essas crianças que chegam com outra língua e cultura e, às vezes, encontram profissionais que desvalorizam o seu lugar de origem”, completa a professora.