Psicodélicos e psicoterapia: além do uso recreativo

Por Edson Toledo

Você já ouviu falar da substância psicodélica conhecida como ecstasy?

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Ela poderá virar remédio em breve. O MDMA (sigla de 3,4-metilenodioximetanfetamina) está perto de ser legalizado nos EUA. No Brasil, especialistas também estão de olho na substância que será usada para tratamento de TEPT (transtorno de estresse pós-traumático).

Um grupo de pesquisadores brasileiros está conduzindo um pioneiro estudo clínico da América Latina. O principal argumento para a investigação do uso do MDMA para TEPT são as dificuldades no tratamento do transtorno, explica o neurocientista Eduardo Schenberg, um dos especialistas à frente do estudo.

Comenta Schenberg que “atualmente não há nenhum medicação disponível. Psiquiatras receitam antidepressivos, drogas para dormir e até antipsicóticos, mas apenas para controlar sintomas, como ataques de pânico, alterações de humor, nada para tratar o problema de fato”.

O neurocientista aponta como principal característica do transtorno, a incidência de uma memória aversiva muito intensa. Ou seja, o trauma. Segundo ele, é uma lembrança tão dolorosa e apavorante que a pessoa não consegue falar sobre o problema no consultório e não consegue ressignificar o ocorrido, sente culpa, vergonha e se escondem atrás de uma espécie de casulo psicológico para tentar seguir com a vida, mas o que aconteceu continua lá, doendo e provocando, em geral, muitas dificuldades afetivas e emocionais que impactam relações pessoais e de trabalho.

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O tratamento a ser testado no Brasil será a psicoterapia assistida com MDMA. O tratamento incluirá 15 sessões de psicoterapia realizadas por uma dupla de terapeutas especialmente treinados e certificados nos EUA. Os custos do tratamento serão todos cobertos, mas custos com transporte, alimentação e eventuais hospedagem em Goiânia não serão cobertos, com exceção da alimentação e pernoite na clínica nas três sessões com MDMA.

O efeito da substância facilita aos pacientes encararem o ocorrido, observa Schemberg. Segundo ele, estudos de neuroimagem mostram que o MDMA diminui a atividade da amígdala, região cerebral relacionada com as sensações de medo e estimula o córtex pré-frontal, mais ligada ao raciocínio e intelecto.

A reação observada nos estudos realizados nos EUA é de um mergulho profundo nos sentimentos do trauma, sensações de dor e medo, são comuns, bem como o choro. Por isso, a experiência só deve ser feita com a supervisão de terapeutas especializados nesse tipo de tratamento.

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“A tendência é que esses efeitos assustem, parece que a pessoa está sofrendo”, argumenta o neurocientista. Mas, ele explica que o tratamento funciona dessa maneira, permitindo que a pessoa consiga romper bloqueios emocionais e lidar com seus sentimentos.

A pesquisa brasileira tem o apoio da ONG (Orgnização Não Governamental) americana Maps (Multi-disciplinary Association for Psychedelic Studies), que há mais de três décadas investiga o potencial terapêutico de substâncias psicodélicas e reivindica a legalização de usos em psicoterapia.

“Pesquisadores internacionais estão se preparando para testes finais e a aprovação pelo órgão FDA (Food and Drug Administration) e EMA (European Medicines Agency) deve acontecer até 2021”, diz Bryce Montgomery, diretor de comunicação do Maps. O estudo também está acontecendo no Canadá, Suíça e Israel.

Quando o MDMA começou a ser usado de maneira recreativa na década de 1970, ganhou o apelido de ecstasy. Na época era puro e legalizado. Quando a substância foi proibida nos anos de 1980, a droga passou a ser vendida com baixa qualidade. “Hoje mais de 80% do que chega às ruas, inclusive com novos nomes, como MD, molli, bala, sequer contém MDMA e tem um nível tão elevado de intoxicantes que fazem do ecstasy a droga mais adulterada do planeta”, aleta Schemnerg.

A antropóloga Beatriz Caiuby Labate comenta que "para além de qualquer tendência ideológica, o fato é que os resultados preliminares indicam grandes potencialidades da MDMA para o tratamento desse problema. Caso venha a ser legalizada, seguramente abre a porta para que novos psicodélicos sejam aceitos e incorporados como tratamentos com acompanhamento terapêutico. É difícil não ficar empolgado com a notícia".

Professora visitante do Ciesas (Centro de Investigações e Estudos Superiores em Antropologia Social, do México), Labate foi uma das organizadoras do congresso Psychedelic Science 2017, que reuniu mais de 3.000 pessoas de 40 países em Oakland (Califórnia), em abril.

"Existe um grande tabu e uma estigmatização em torno dos psicodélicos, ora considerados como patologias, ora criminalizados, ora demonizados. Mas essas substâncias ocuparam e continuam ocupando lugares centrais no mundo dos povos tradicionais, como é o caso da ayahuasca no Brasil, do peiote no México e nos EUA e dos cogumelos no México", defende a pesquisadora.

Para saber mais:

https://stevensrehen.blogosfera.uol.com.br/2018/02/06/psicoterapia-assistida-com-mdma/?cmpid=copiaecola
https://motherboard.vice.com/pt_br/article/ae75yk/a-cura-para-o-estresse-pos-traumatico-pode-estar-no-mdma