por Luís César Ebraico
Sobre recente reportagem “Eu, meu melhor amigo”, publicado na revista Veja sobre autoestima.
Empregar técnicas psicológicas para instrumentar a premissa de que “cada um é o que pensa ser” é, no mínimo, perigoso. Conheço vários pacientes internados em hospitais psiquiátricos que “acreditam que são o que pensam ser”. Uma, por exemplo, de fato impossibilitada de ser mãe, desfila pelo pátio de um desses hospitais levando nos braços uma boneca de pano que diz ser sua filha, no que, naturalmente, apenas ela acredita.
Remédios empregados em overdoses ou fora de indicação são veneno. Como professor de Psicanálise e prático da clínica psicanalítica faz quarenta anos, posso asseverar que a Pretending Psychology (Psicologia do Faz-de-Conta) americana prescreve o chamado “pensamento positivo” de maneira indiscriminada e em doses claramente tóxicas, do que é exemplo, a sugestão – feita em O Segredo por Rhonda Byrne – de que esse tipo de pensamento, adequado somente para certas condições específicas, se torne um “modo de vida para” todos.
Ora, qualquer psicanalista iniciante sabe que a aplicação do pensamento positivo dessa forma e nessa dosagem acaba redundando em recalque, ou seja, alienando permanentemente o sujeito do contato de várias partes de si mesmo, tornando-o uma farsa e provocando uma série de distúrbios físicos e psicológicos.
É minha opinião, inclusive, que a obrigação, típica do ambiente cultural americano, de estar o tempo todo OK é a principal responsável pelo fato de que, com apavorante freqüência, alguém que não mais agüenta ter que fingir que está bem quando não está, suba em uma torre e mate indistintintamente várias pessoas que não conhece, dando lugar a deploráveis episódios como os ocorridos em 1999, em Columbine, e, mais recentemente, na Universidade da Califórnia. A Psicologia do Faz-de-Conta americana é a versão não medicamentosa do Prozac, e, como esse, já está começando a ser usada quando não há nenhuma indicação médica para isso.
O uso indiscriminado de ambos é uma seta apontada para a criação de uma sociedade de zumbis sorridentes – verdadeiros “bobos alegres” – como os descritos por Huxley e Orwell em, respectivamente, “O Admirável Mundo Novo” e “1984”.
Já é mais do que tempo que profissionais sérios e competentes da área da saúde comecem uma cruzada para combater essa investida irresponsável contra saúde psicológica da população.