por Roberto Goldkorn
Vivemos numa sociedade que faz reverência aos fortes e abomina os fracos. Por isso, se busca de forma tão alucinada símbolos de poder, qualquer coisa que emane uma aura de vencedor, de estar por cima da carne seca.
As empresas supervalorizam indivíduos pró-ativos, confiantes, que olham nos olhos e muitas vezes defendem suas ideias (mesmo as mais estúpidas) com valentia e até agressividade.
Confiança, assertividade, foco, determinação, resiliência (cabacidade de autossuperação) são palavras cada vez mais sacrossantas em várias áreas de nossa sociedade.
Conheci uma mulher que tornou-se minha cliente por algum tempo, até que se detectasse um desequilíbrio mental. Pude acompanhar suas crises de profunda depressão, onde precisava ser vigiada 24 horas pelo risco de cometer suicídio. Mas quando os polos se invertiam, ela aparecia eufórica, confiante, dona do mundo: a toda-poderosa.
Uma vez fomos a uma reunião com outras pessoas influentes quando ela estava no modo eufórico. Vi as pessoas sendo seduzidas e dominadas pela sua “luz”, sua assertividade, sua confiança “absoluta” naquilo que estava falando e propondo. Convenceu a todos.
Claro que a última atitude da família foi interditá-la e tirar-lhe os cartões de crédito e talões de cheque.
Mas nem só de bipolares vivem os grandes confiantes. Psicopatas são pessoas fortes, assertivas, autoconfiantes, controladoras, do tipo que chega e diz: “Deixa comigo que eu cuido de tudo”. Ou pior “Confie em mim, eu resolvo.”
Psicopatas são doentes "sem doença". Não existe exame clínico para detectar a psicopatia. Eles não são disfuncionais, estudam, trabalham, se casam e pelo seu caráter extremamente egocêntrico e sem freios morais ou emocionais costumam prosperar.
Hoje ser assertivo, ou seja, ter coragem de dizer não na cara do outro, virou uma grande qualidade, essa os psicopatas tiram de letra. Não: é a palavra que sai de sua boca sem rédeas e com certo prazer sádico.
Psicopatas que chegam ao topo (por causa desse mix de “qualidades e talentos”) são incontroláveis e costumam causar muitos estragos, porque veem que a estupidez da sociedade os colocou no trono, no topo da cadeia alimentar, embora saibam que no fundo são apenas boas falsificações.
Na vida corporativa, como na política, pessoas afáveis, sensatas, ponderadas ou – defeito mortal – tímidas são subvalorizadas, são vistas como fracamente motivadas, não comprometidas com o time.
Empresas costumam promover e aplaudir os “feitores”, aqueles que quando o chefe grita: “Mata!” Eles "apertam o gatilho" sem pensar duas vezes.
Além disso existe outro fator comum nos psicopatas e bipolares em suas fase de euforia delirante: a facilidade para criar e vender falsificações da realidade ou em português mais reto: mentir.
Um filósofo moderno John Gray em seu livro Cachorros de Palha, afirma que quem mente de forma eficaz e sem probelmas e consciência tem uma vantagem evolutiva sobre quem não mente e segue os pedregulhosos caminhos da verdade. Mentir sem remorso turbina currículo, derruba oponentes, ganha corridas e libera o indivíduo para fazer de tudo.
Para o psicopata mentiroso, principalmente se estiver em alguma posição de poder, com o combustível extra da mentira, o céu é o limite. Aí alguém pode dizer: mas mentira tem perna curta e muitos são pegos e punidos. Eu digo: para cada mentiroso (incompetente) que é punido existe 10 que se dão bem. Recentemente, um chefe de polícia declarou que sua polícia era muito competente sim, porque no ano passado esclareceu 23% dos crimes. Ou seja, 77% de burladores da lei, psicopatas, sociopatas e cia, estão por aí felizes da vida continuando a mentir e a delinquir convencidos pela pura realidade de que o crime compensa! E não compensa?
Líderes que foram endeusados por sua autoconfiança, trouxeram mais desgraça e sofrimento ao mundo humano do que possamos sequer imaginar.
Precisamos rever nossos valores. Estamos criando e nutrindo uma supergeração de superpsicopatas, doentes emocionais sem precedentes.
Para terminar, uma história real registrada nos anais da história oficial, que ilustra perfeitamente a minha tese neste artigo:
“Em 1839 o vice-almirante George Tyron comandante da marinha britânica no Mediterrâneo, resolveu assumir sozinho o comando das manobras navais de verão. Ao ordenar a meia volta de duas colunas paralelas de navios, seus oficiais tentaram alertá-lo sobre a possibilidade de colisão. Um simples cálculo demonstraria que a combinação de dois círculos que os navios iriam fazer era maior que a distância entre eles. Enquanto seus oficiais observavam horrorizados seu navio, o Victoria foi abalroado pelo Camperdown. Tyron se recusou a acreditar que o dano causado fosse sério e ordenou que os navios próximos não enviassem botes salva-vidas. O Victoria afundou levando ele e mais 357 marinheiros.” Citado por Margaret Macmillan em seu excelente Usos e abusos da história (Ed. Record).