por Aurea Afonso Caetano
Pessoas procuram por psicoterapia quando estão em crise. Hoje em dia a ideia de autoconhecimento através de um processo analítico é cada vez mais distante. Não temos tempo, não temos recursos financeiros, não temos paciência, mas todas essas faltas falam de uma questão simbólica mais importante ou mais básica: não temos a possibilidade interna de “parar” para pensar a respeito de nossa vida, a respeito de nossos planos, de nossas relações.
Nossas atenções têm sido cada vez mais atraídas para fora, para o mundo externo. Temos de dar conta de nossos trabalhos, de nossas relações, de todas as atividades de “manutenção básica” e ainda de todas as redes virtuais de relacionamento. O mundo espera que sejamos seres perfeitos, integrados, funcionais e ainda conectados.
Nosso mundo interno, o espaço mais precioso, vai sucumbindo a esta imensa gama de necessidades. As pessoas que chegam em nossos consultórios estão tão desconectadas de si mesmas que quase nem se reconhecem. Parte de nosso trabalho inicial é, por assim dizer, organizar a demanda.
Quem é você?
O que te trouxe aqui?
Que dor é essa? Onde dói de verdade?
Precisamos antes de mais nada acolher a pessoa e ajudá-la a perceber o que sente para então nomear e identificar o problema. Isso feito, grande parte do caminho já foi percorrido.
Discriminar o que e como dói, e o que é que pode ou deve ser feito é parte do processo. Há problemas que são insolúveis, fazem parte de nossa vida e ajudaram/ajudam a estruturar nossas personalidades. Apesar de insolúveis, podem ser melhor elaborados, ou seja, posso compreender melhor de que forma me afetam, qual seu sentido em minha vida e com isso chegar a um “acordo” melhor comigo mesma.
Exemplo: sou filha única, meus pais eram muito distantes, não tinha parentes próximos e por isso sofri muito de solidão; não aprendi a desenvolver amizades com facilidade, o que me afeta profundamente hoje. Não há nada objetivo que se possa fazer a respeito disso. Não é possível atribuir aos meus pais “culpa” pelo meu sofrimento. Não adianta também me cobrar uma vida diferente da que tive: ter sido mais sociável; ter feito mais amigos… dados concretos, objetivos, são apenas dados. O que pode ser mudado é o sentido disso em minha vida atual. É o que chamamos de possibilidade de ressignificar ou melhor dar um novo significado ao que era velho e antigo.
Uma das possibilidades incríveis da psicoterapia é exatamente essa: poder rever o que foi determinante para minha história e compreender como foi que isso se deu. Vejam, falo aqui de como ou para quê e não do por quê! Discutir culpa e quem fez o quê, ou por que é que sou assim, é ficar preso a um raciocínio causalista, linear, que pode levar apenas a um aumento na compreensão racional que, de verdade, muda apenas o funcionamento cognitivo.
A verdadeira transformação, aquela que procuramos em análise, vai além. Acontece apenas quando posso compreender qual o sentido dos vários acontecimentos de minha vida, quando então posso perceber que este sujeito aqui, agora, a pessoa que sou, tem uma história, foi constituída a partir de determinadas vivências e tem de se apropriar delas. Considerar o sentido de toda a vida é a melhor forma de alcançar uma transformação mais verdadeira, que tenha também um sentido.
Lembram-se da Oração da Serenidade?
Deus, concedei-me, a serenidade para aceitar as coisas que não posso modificar; coragem para modificar as coisas que posso e sabedoria para saber a diferença.
É isso! Trabalho de aceitação, coragem, serenidade e sabedoria.