por Regina Wielenska
Pelo fato de exercer a psicoterapia e de supervisionar o atendimento na área da saúde mental oferecido por profissionais e estagiários de Psicologia e Psiquiatria, tenho a oportunidade de notar que muitas pessoas confundem certos termos, e ficam sem entender direito o que podem esperar de seu tratamento, tanto psiquiátrico como psicológico. Vou esquematizar os principais aspectos das modalidades de trabalho clinico oferecidas por psiquiatras e psicólogos. Antes disso, precisamos entender o que caracteriza essas profissões, em termos de formação e delimitações de campo profissional.
Tornar-se psicólogo
Psicólogo é alguém que cursou cinco anos de formação universitária em Psicologia, há cursos em período integral, e outros são de meio período. A legislação brasileira na área da educação superior regulamenta o currículo básico a ser cumprido (as universidades, faculdades e centros de ensino superior completam a grade curricular conforme possibilidades e interesses próprios), com um número mínimo, mas expressivo, de horas dedicadas a aulas e estágios supervisionados.
Ao se formar, o psicólogo precisa se registrar no Conselho Regional de Psicologia da região onde pretende trabalhar. Há taxas a pagar e cabe ao conselho regulamentar e fiscalizar o cumprimento do código de ética que regulamenta essa profissão, entre uma série de outras atribuições muito relevantes. Com o número do CRP em mãos, o psicólogo pode exercer as atividades para as quais tenha se preparado academicamente. Ou seja, conforme a grade curricular e estágios realizados, cada um pode estar de fato qualificado a trabalhar num dado campo de atividade e não em outro.
Esclarecendo melhor, nem todo mundo tem igual condição de começar a trabalhar, por exemplo, em Psicologia Organizacional (em recrutamento e seleção, treinamento, cargos e salários, etc.), Psicologia Escolar (em planejamento de programas de ensino, atendimento pontual de pais e crianças, treinamento de professores, etc.) ou Psicologia Clínica (provendo formas de avaliação psicológica, praticando aconselhamento psicológico, exercendo modalidades de psicoterapia a indivíduos, casais famílias e grupos, colaborando em reabilitação, etc.).
A Psicologia é um ramo extenso da atividade profissional humana, que inclui uma variedade de áreas, e aqui estarei me restringindo a descrever apenas a atividade psicoterápica como uma das modalidades de trabalho do psicólogo clínico.
Tornar-se psiquiatra
Vale agora fazer um contraponto e falar dos psiquiatras, que são profissionais que cursaram seis anos de graduação em Medicina (curso em período integral) e, na maioria dos casos, mais dois ou três de Residência Médica. Tudo isso para se tornarem médicos especialistas em Psiquiatria. São registrados no Conselho Regional de Medicina, que é o órgão regulamentador do exercício profissional.
A cada cinco anos, os psiquiatras deverão apresentar à Associação Brasileira de Psiquiatria provas de sua participação e aprovação em cursos/atividades de atualização, as quais atestem que estão qualificados para renovação do título de especialista. Sem querer me estender em detalhes, pode-se afirmar que psiquiatras atendem pessoas de qualquer idade em duas modalidades de tratamento: a farmacoterapia e a psicoterapia. A farmacoterapia, a difícil ciência de prescrever medicações que auxiliem um indivíduo a melhorar sua condição mental, é atividade estritamente médica.
Psicoterapia: um terreno para dois profissionais
Por outro lado, a complexa prática da psicoterapia (uma atividade principalmente verbal, capaz de auxiliar na construção do autoconhecimento, resolução de problemas de relacionamento, desenvolvimento de habilidades interpessoais, superação de crises, etc.) pode ser exercida por dois profissionais, o psicólogo e o médico psiquiatra. Para ambos vale uma regra de ouro: só deve exercer a função de psicoterapeuta quem tiver recebido treinamento específico para tal ou estiver em treinamento supervisionado.
Nem toda graduação, aprimoramento, especialização, mestrado, doutorado ou programa de Residência em Psiquiatria fornece os conhecimentos e treinamento suficientes para uma atuação de qualidade em psicoterapia para psiquiatras ou psicólogos. Exatamente aí entram as instâncias formadoras de especialistas em modalidades de psicoterapia, os cursos de pós-graduação, de longa duração, para os profissionais de saúde mental já formados e interessados em se tornarem psicoterapeutas.
Psicoterapias, seus diferentes nomes
Agora vamos entender outra coisa: terapia, psicoterapia, análise, é tudo a mesma coisa?
Quais as modalidades de psicoterapia e os diferentes nomes que damos a elas?
Nos últimos cem anos, muitas teorias e pesquisas sistemáticas sobre aspectos do comportamento humano surgiram a partir do trabalho tenaz de médicos, filósofos, psicólogos, educadores e outros pensadores. E assim surgiram teorias variadas sobre como é o funcionamento do pensar, sentir e agir dos seres humanos em cada fase de seu desenvolvimento. Bastou outro “pulo” e surgiram formas de psicoterapia, atividade predominantemente entendida como terapia pela palavra, embora algumas variantes incluam exercícios de sensibilização e expressão corporal e/ou de expressão artística como parte do tratamento psicoterápico.
Cada linha teórica de psicoterapia propõe uma forma específica de trabalho clínico e de relacionamento entre o cliente e o terapeuta, todas no intuito de propiciar mudanças objetivas ou subjetivas que atendam de modo adequado às necessidades psicológicas de um indivíduo, casal, família ou grupo.
Teorias psicológicas e as modalidades de terapia
Sigmund Freud, que teve formação médica, foi um pensador importante que fundou as bases da Psicanálise, uma das modalidades de intervenção psicoterápica e fértil campo teórico. Discípulos dele ou pensadores por ele influenciados (alguns foram, inclusive, considerados dissidentes do pensamento original freudiano) desenvolveram ao longo de décadas outras formas de psicoterapia. Apenas a título de ilustração, podemos mencionar, entre outras variantes não menos importantes, os trabalhos de Melanie Klein, Donald Winnicott, Jacques Lacan, a Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung, a terapia corporal de Wilhelm Reich, o Psicodrama e o Sociodrama de Jacob Levy Moreno.
A partir da segunda metade do século vinte, com igual seriedade e sucesso, foram também se estabelecendo no campo das psicoterapias as abordagens fenomenológica-existencial, a terapia cognitiva (hoje subdividida em algumas modalidades), a terapia comportamental (também subdividida), e a gestalt-terapia, entre outras quiçá menos conhecidas e/ou validadas cientificamente.
Todas essas inúmeras abordagens teóricas de psicoterapia se organizaram em associações profissionais e adentraram nas instituições de ensino para propiciarem formação especializada, principalmente a médicos e psicólogos. Algumas abordagens fundaram institutos que sediam cursos, caracterizam-se como espaços de reflexão, difusores do conhecimento ali produzido por meio de publicações, seminários, workshops e, por fim, prestação de serviços clínicos à comunidade onde estão sediados.
Como fica o potencial cliente de psicoterapia frente a essa diversidade tamanha de opções e variantes teóricas?
Escolher uma forma de psicoterapia e o profissional específico depende primeiro dos recursos disponíveis na comunidade. Em segundo lugar, é recomendável que o psicoterapeuta a ser consultado seja alguém referendado ao cliente por um profissional de saúde que conheça o cliente ou por alguém que foi cliente do profissional e nele reconheceu a capacidade profissional e capacidade de prover ajuda.
Por fim, escolher um terapeuta é similar à prosaica atividade de escolher calçados numa loja: cada pessoa tem um formato de pé, modo de caminhar, ambientes que frequenta, estilo de vida. E por isso há tantas opções no comércio, ajustadas ao estilo e necessidades de cada consumidor. Para cada um existirá o calçado perfeito e, analogamente, também o psicoterapeuta sério, qualificado e que estabeleça com o cliente um relacionamento de legítimo valor psicoterapêutico.
Por questões inerentes à minha história pessoal de contato com o conhecimento na Psicologia, desenvolvi, logo ao início de minha graduação, um aprofundamento sistemático nas abordagens teóricas comportamental e cognitiva (com forte ênfase na primeira), e através delas me guiei ao longo das décadas para a prática e ensino da psicoterapia.
Por razões que não cabem a mim discutir no espaço dessa coluna, há muito tempo me reconheço como uma terapeuta e docente na abordagem analítico-comportamental, e sinto-me extremamente feliz por conviver com a diversidade de formas de produção do conhecimento, pesquisa e trabalho no campo da saúde mental.