por Monica Aiub
É comum encontrarmos partilhantes (pacientes) que chegam ao consultório querendo saber quanto tempo necessitarão para que suas questões sejam trabalhadas. Obviamente, não há como delimitar um tempo, pois trata-se do tempo necessário a cada um e suas questões. Assim, diante da pergunta sobre o Assunto que leva a pessoa ao consultório, alguns partilhantes falam rápido, resumidamente e, às vezes, levam por escrito alguns pontos, para agilizar o processo.
Se isso ajuda? Depende. Para algumas pessoas, esta será a melhor forma para que se expressem com clareza; para outras, a pressa atrapalhará o processo, gerando a necessidade de retomá-lo bem mais vagarosamente do que se não houvesse a preocupação em apressar-se.
Em filosofia não é possível tratar um problema sem conhecer sua história, sua gênese, e isso pode levar um tempo. Mas é exatamente isso que permitirá observar a questão por outra perspectiva. Ao pedirmos para o partilhante contar sua historicidade, surgem, em alguns casos, as perguntas: "Por que preciso contar a história disso se o problema acontece hoje?", "Meu problema é hoje, para que preciso contar minha história?".
O mais interessante é observar que as mesmas pessoas preocupadas com o perder tempo acabam por descobrir, no decorrer do processo, que não perderam, mas ganharam, porque observar a história, a gênese do problema, sua própria historicidade permite fazer recortes muito pontuais para tratar as questões, acessando os problemas e suas possibilidades com maior precisão. Também ocorre de, durante o processo, a pessoa perder a pressa, por descobrir que se trata de uma decisão importante, e por isso precisa ser refletida, avaliada e construída com muita calma e ponderação.
Muitos dos candidatos ao curso de formação em Filosofia Clínica também são apressados: "Três anos para a formação, além da graduação?", é uma pergunta comum, carregada do julgamento que denota excesso de tempo. Alguns optam por outros caminhos, que consideram mais rápidos, mas os que escolhem a formação em Filosofia Clínica acabam por concluir que três anos é pouco tempo, que o estudo exige muito mais.
Mesmo na graduação em Filosofia é comum encontrarmos estudantes apressados, ou um sistema que os apressa. Isto me parece um erro, pois a filosofia exige tempo, maturação. Não se desenvolve uma reflexão filosófica instantaneamente, porque é preciso, antes de tudo, pesquisar, observar os processos, coletar e articular dados, para somente então, levantar hipóteses e, novamente, investigá-las, pensá-las a partir de relações e implicações com outros dados da realidade, verificando as possibilidades e consequências de sua realização.
O que é precipitar-se?
Mas também é preciso ler os filósofos, aprender com seus métodos, dialogar com suas reflexões, e isso exige tempo para a leitura, para a reflexão. Um dos grandes entraves para a reflexão filosófica é a precipitação. Precipitar-se é já saber antes de ler, antes de ouvir; é fazer a crítica antes de compreender; é encontrar respostas antes mesmo de se ter encontrado as perguntas.
A pressa parece estar presente até no estudo da literatura. É muito estranho observar as adaptações e simplificações de textos clássicos da literatura, como se bastasse conhecer o enredo para a fruição estética, como se o modo de escrever, de articular as palavras num texto literário não possuísse valor artístico, não significasse algo. Se assim fosse, bastaria abordar uma temática para ser um literato, e o mesmo poderia se apresentar em outras artes, tais como a poesia, a música, o teatro, a dança, a pintura, a escultura etc. A pressa em produzir a arte parece não permitir a muitos o desenvolvimento da técnica que os tornaria artistas, que lhes possibilitaria a liberdade para criar obras de acordo com sua imaginação. Mais do que isso, parece impedir-lhes de alimentar-se com a beleza, com a fruição.
Por outro lado, a pressa parece ser muito bem-vinda no âmbito administrativo, onde ser eficiente consiste em realizar as tarefas em um tempo cada vez menor, com uma incidência também menor de erros. Para o trabalho de produção na indústria, esse referencial pode ser lucrativo, embora nem sempre corresponda à melhor forma para se fazer algo. Há produtos que necessitam de um tempo maior em sua fabricação, um tempo de maturação, para que adquiram a qualidade necessária. O mesmo se dá na agricultura: há o tempo certo da colheita, e apressar esse tempo implicará em consequências na qualidade do alimento. Assim também ocorre na gestação, há um tempo certo, necessário para o desenvolvimento.
A vida na sociedade contemporânea exige cada vez mais pressa, impondo a execução de mais tarefas do que conseguimos cumprir, ou de tarefas que precisem ser cumpridas em tempo bem menor do que o necessário. As exigências da produção espraiam-se cada vez mais ao cotidiano das pessoas. Da dona de casa ao estudante, da criança ao adulto, do jovem que ingressa ao mercado de trabalho ao aposentado, todos "temos" que ser produtivos, todos temos que aproveitar ao máximo o tempo. Daí a pressa instalar-se em nossos hábitos, levando a um modo de vida que não propicia o ócio, o convívio desinteressado, a amizade, o diálogo, mas condiciona o conviver à produção, a amizade ao negócio, a vida à produtividade.
Síndrome da pressa
Ao mesmo tempo em que essa prática beneficia o sistema produtivo, gera transtornos na vida em sociedade, podendo, em alguns casos, afetar a saúde. A chamada síndrome da pressa aponta como sintomas fazer várias coisas ao mesmo tempo, pensar em muitas coisas ao mesmo tempo, não ter paciência para ouvir o outro, não ter paciência com filas, trânsito, espera, entre outros elementos. Esse comportamento gera, em muitos casos, estresse, problemas no trabalho, dificuldade de convívio, e outros problemas. O que deveria, em tese, propiciar a produção e tornar a vida melhor, acaba por trazer transtornos à pessoa.
Algumas perguntas se colocam diante deste quadro:
Somos apressados ou nos tornamos apressados para atender à demanda social?
A pressa é uma característica do indivíduo ou uma característica da sociedade contemporânea?
Até que ponto a pressa característica de nossa sociedade não acaba por descaracterizar algumas atividades, tais como a arte, a filosofia, a educação ou simplesmente o convívio familiar, a fruição da boa companhia dos amigos?
E talvez a mais importante: Quais as consequências de ser ou não apressado(a)?
É preciso responder a tais questões a partir de seus próprios contextos e referenciais. Mas para respondê-las será preciso primeiro pesquisar seus próprios contextos e modos de viver, observar seu ritmo cotidiano, observar-se em seu fazer e refletir acerca de como lida com o tempo, de quanto tempo necessita para suas atividades, suas reflexões, seu convívio com os outros. A resposta apressada seria prosseguir correndo, sem sequer ter tempo para ler este texto até o fim!