Por Aurea Caetano
Tempos difíceis estes nos quais temos sido impelidos e quase obrigados a escolher entre um lado e outro lado, entre um polo e outro polo, entre uma turma e outra turma ou entre um partido e outro partido. Escolhas são importantes, necessárias para que a vida aconteça. Diferenças de fluxo geram movimento, distintas ideias e propostas quando discutidas e elaboradas podem nos levar à expansão da consciência, à ampliação de nosso campo vivencial. Podem facilitar e melhorar nossa existência no mundo aqui e agora.
Tem sido difícil encontrar espaço para o exercício da verdadeira dialética, da conversa e escuta simples e legítima. Lugar possível de prática de uma troca fundamental – a troca entre seres humanos, plenos em seus direitos e potências. Ambos os polos têm se mostrado em seus aspectos mais radicais, tentando dessa forma provocar uma reação exacerbada também de parte de seus seguidores. Esquecemos as ideias, as propostas e passamos a discutir as pessoas, os messias e salvadores que vão nos conduzir ao paraíso, quase um ato de fé cega.
Em suas memórias, escrevendo a respeito de sua relação com Freud, Jung alertava para o perigo da identificação com um dos polos:
“Cada vez que um acontecimento numinoso faz vibrar fortemente a alma, há perigo que se rompa o fio em que estamos suspensos. Então o ser humano pode cair num sim absoluto ou num não que também o é!… O perigo do numinoso é que ele impele aos extremos e então uma verdade modesta é tomada pela Verdade e um erro mínimo por uma aberração fatal. Tudo passa: o que ontem era verdade hoje é erro, e o que antes de ontem era considerado um erro será talvez uma revelação amanhã…”
Exercício que fazemos cotidianamente no trabalho analítico em nossos consultórios: ajudar nossos pacientes a considerar ambos os aspectos de um dilema, facilitar o trânsito, investigar as certezas, questionar as supostas verdades. Ao abrir espaço para a dúvida permitimos um novo olhar fugindo assim de uma visão unilateral, parcial que pode levar ao fanatismo.
Facilitamos o encontro de um fio condutor, fio esse que como nos diz Érico Veríssimo, deve ser “…do melhor aço e, portanto, resistente e ao mesmo tempo flexível. Fé sem flexibilidade, fé sem dúvida pode acabar em fanatismo” (Érico Veríssimo, Incidente em Antares).