por Dulce Magalhães
Parece que ao longo do tempo a gente vai formando uma certa crosta. São camadas e mais camadas de crenças, idéias preconcebidas, obrigações e deveres, que nos dizem o que a gente deve ser e fazer.
Então todos os dias a gente acorda exercitando um pouco desta personagem que vamos aprendendo a ser. Cada vez que a gente se senta como uma menina obediente, toda vez que a gente age como o menino que nossos pais esperam que a gente seja, vamos formando, pedaço a pedaço, nossa máscara de como ser uma filha ou um filho.
Em nossas experiências de sociabilização, para encontrar e fazer amigos, também vamos descobrindo códigos, procedimentos, maneiras que funcionam e que não funcionam e, assim, vamos fazendo mais uma máscara de como se comportar como amigo.
Depois vêm as máscaras que usamos quando queremos ser divertidos, quando encontramos pessoas estranhas, quando revemos parentes distantes, quando nos apresentamos para um novo emprego, e por aí vai. Para cada evento temos uma personagem que age, pensa e se comporta de determinada maneira.
Ás vezes estas máscaras são muito parecidas e tem gente que age com os filhos do mesmo modo que na empresa. Outras vezes são completamente diferentes e ninguém reconhece a pessoa quando ela está com seu grupo de amigos, pois é totalmente diferente de quando está na empresa, por exemplo.
Porém, o pior de tudo é que nos acostumamos tantos às máscaras que nem sabemos mais qual é nossa verdadeira face. Mesmo sozinhos, frente ao espelho, quando tiramos algumas de nossas máscaras públicas, ainda restam nossas máscaras íntimas, que nos dizem o que é ser feliz, como é ter sucesso, o que sentir e o que buscar, mesmo que, de alguma forma, a gente sinta que estas diretrizes não satisfazem.
É quase preciso se tornar um arqueólogo, para escavar por baixo de tantas máscaras e encontrar os primórdios de nosso processo civilizatório. Toda esta aprendizagem de como agir foi importante para que pudéssemos trilhar o caminho da vida. Contudo, há um momento em que é preciso sair dos caminhos que construíram para nós e nos aventurarmos por nossas próprias trilhas.
É preciso lembrar que por mais bem feita, bonita e reluzente que seja nossa máscara, ela sempre pode arrebentar no elástico. Não é a expressão verdadeira de quem somos, apenas um pálido reflexo disso, uma forma de ser quem aprendemos a ser.
Redescobrir a si mesmo é retirar a máscara. Não para uma nudez de sentimentos, onde tudo está exposto, num caos revolucionário. Isso pode acontecer quando a máscara sufoca o indivíduo, mas já é uma situação extrema. É preciso retirar a máscara para ver-se intimamente, reconhecer seus próprios padrões para a vida, refazer escolhas, reconsiderar projetos, realizar propósitos.
A face revelada atrás das máscaras é sempre a mais importante. A beleza está na natureza de sua verdade, na integridade de sua forma. A gente não deveria se perguntar por que muitas vezes não nos tornamos quem queremos ser. Deveríamos nos espantar de por que é tão raro desejarmos ser quem de fato somos.
Nos acostumamos tanto às máscaras que temos medo de nossa verdadeira face, de não sermos tão especiais, inteligentes, belos ou bem sucedidos como as personagens que construímos. Assim, algumas pessoas até se propõem a fazer sua máscara em carne e osso, literalmente. São cirurgias plásticas radicais para manter a ilusão de uma personagem fictícia.
De qualquer forma, há uma plastificação da realidade. Fingimos ser quem não queremos ser para viver uma vida que não nos satisfaz. Afinal, do que temos medo? Estamos abrindo mão de sermos o melhor de nós em prol de sermos quem os outros quiseram que fossemos.
Qual a melhor medida para a vida? Qual o script mais adequado? Que fórmula ou roteiro pode nos levar à realização? Se você não conhece estas respostas e nem conhece alguém que as saiba, então não há nenhum modelo pronto que podemos seguir para irmos aonde queremos ir. Precisamos ser os autores de nossa própria jornada. Fazer escolhas novas e tomar decisões ainda não tomadas.
Há uma liberdade infinita em um novo dia que nasce. Hoje podemos fazer e viver tudo que quisermos, mas precisamos nos dar conta que o programa do passado não serve inteiramente para compor a vida futura. Há muito espaço para improvisação, descobertas, arte em seu estado mais puro. Há sempre espaço e tempo para ser quem de fato somos. Só é preciso escolher isso.