por Aurea Caetano
Como lidar com as polaridades extremas que vivemos em nosso país?
Conseguiremos confrontar a sombra coletiva e dar um passo além em nosso desenvolvimento?
Vivemos uma espécie de eterno faz-de-conta!
Faz de conta que que somos todos irmãos, que não existem diferenças entre nós, que descobrimos aqui a fórmula da igualdade racial. Faz de conta que nossa alegria, que as belezas naturais de nosso país, que a ausência de guerras internas e de catástrofes naturais nos dão, de saída, uma posição privilegiada.
E daí o que é que fazemos com isso?
Refestelamo-nos, deitados em nosso berço esplêndido, confiando em uma natureza mágica, pródiga e idílica, onde “o céu é o limite”.
O brasileiro é um dos povos mais felizes do mundo, numa escala de zero a dez nossa avaliação de felicidade é entre seis e sete.
Como é possível uma avaliação dessas num país com nossa imensa desigualdade social, país em que a concentração de renda chega a níveis absurdos, onde somos confrontados diariamente com a disparidade entre a pobreza total e a riqueza mais exuberante?
Não estaremos nos eximindo de uma confrontação com a sombra coletiva?
Confrontar a sombra
Realizar o desejo, ou o sonho, implica necessariamente encontrar o limite, confrontar a sombra e parece que é isso o que mais tememos. Sair da fantasia de total possibilidade e encontrar nosso real lugar no mundo; acordo de compromisso entre o mundo da mãe, onde tudo é possível e o mundo do pai, lugar da discriminação, onde escolhas são necessárias. Chegar, num terceiro momento, ao lugar onde os dois mundos coexistem, à “terceira margem do rio”, construção fantástica, mas possível. Ou será possível apenas no universo fabuloso de Guimarães Rosa?
E vivemos este impasse cotidianamente, moramos em algumas das maiores metrópoles do planeta, temos acesso a tecnologias ultra- avançadas, supercomputadores, redes de internet e tevê a cabo funcionando até mesmo em favelas, hospitais equipados com aparelhos de última geração.
Ao mesmo tempo, temos também um dos piores índices de qualidade de vida, uma das piores distribuições de renda do mundo, regiões onde ainda não há saneamento básico, onde faltam escolas, serviços básicos de saúde. Convivemos cotidianamente com a marginalidade e a pobreza, os índices de criminalidade são absurdos. Poucos são os escolhidos, muitos os excluídos.
A moral firme é necessária, mas, também a crença num sonho possível de crescimento. Parece que é nesta esfera que estão nossos piores problemas. Eduardo Galeano, escritor uruguaio, famoso por seus ensaios acerca da realidade da América Latina, em entrevista a um jornal espanhol, disse que a resignação ante a realidade é como a aceitação fatalista de um destino. A realidade não é um destino: é um desafio, o tempo presente não é o tempo da eternidade, as coisas e a realidade, mudam, estão em contínua transformação; tudo muda o tempo todo e nós temos o sagrado direito de imaginar o futuro, não estamos condenados a aceitá-lo.
Não é possível construir um futuro se não pudermos olhar para nossos aspectos negativos e de alguma forma inclui-los em nossa vida. Este o grande desafio e ao mesmo tempo única saída possível para o caos em que estamos vivendo. Qual a sombra que tanto nos aterroriza?