por Ana Luiza Mano – Psicóloga componente do NPPI
“Você está convidado para contribuir anonimamente com um segredo para um projeto de arte grupal. Seu segredo pode ser um arrependimento, medo, traição, desejo, confissão ou trauma de infância. Revele o que quiser – desde que seja verdadeiro e que você nunca tenha compartilhado com ninguém. Seja breve. Seja legível. Seja criativo.” (Frank Warren, 2004).
Você já pensou em contar, ou já contou, um segredo pela internet? Se contou, como você se sentiu? Existem alguns sites que permitem compartilhar anonimamente seus segredos. Falaremos aqui de um site com uma proposta peculiar: PostSecret (http://www.postsecret.com/). Todo domingo são postados cerca de vinte segredos.
Criado por Frank Warren em novembro de 2004, o objetivo do site era compartilhar segredos. Warren distribuiu 3000 cartões postais em estações de metrô, galerias de arte, dentro de livros, diretamente nas mãos de estranhos, etc., pedindo às pessoas que os preenchessem e os enviassem sigilosamente para o endereço de sua residência. A única regra, além do anonimato, era que o segredo fosse legítimo e nunca tivesse sido revelado.
Em 2009, o número de cartões postais guardados na casa de Warren já era de quase meio milhão. Desde então, o número de cartões vem aumentando exponencialmente. Em setembro de 2011, foi lançado o aplicativo de PostSecret para o iPhone (http://www.postsecretapp.com/), que também sairá para o Android. Mais de um milhão de confissões foram compartilhadas por meio desse aplicativo no período entre o lançamento, em setembro, e o mês de novembro de 2011, segundo o site PostSecret.
Warren passou a realizar palestras e eventos sobre os segredos que permeiam a coletividade contemporânea. Existem também duas exposições desses cartões postais que circulam pelos Estados Unidos.
Qual o sentido de compartilhar segredos online?
Existe um sentido em tudo que falamos, seja numa conversa verbal ou por escrito. Portanto, qual seria o diferencial em compartilhar uma fala de maneira anônima? PostSecret propicia uma integração incomum entre arte e depoimento confessional, pois são compartilhados publicamente aspectos privados, por meio de cartões postais delicadamente feitos à mão.
Ao enviarem seus segredos pelo correio, as pessoas relatam que se sentem aceitas e integradas de alguma forma, pois estão fazendo parte de um grupo. No site PostSecret, existe a possibilidade de enviar comentários a Warren, os quais ele modera e inclui aqueles que acha relevantes. Já no aplicativo, é possível comentar e inclusive responder com outro segredo diretamente à confidência postada. Parece que as pessoas acabam encontrando uma nova forma de interagir nesse universo do anonimato. É possível selecionar qual o país, a cidade e até mesmo o bairro (ou local específico) de onde o segredo está sendo enviado. Portanto, a obscuridade das informações é relativa.
Um aspecto que aparece muito nos segredos compartilhados via PostSecret é a dúvida se existe mais alguém no planeta que possa compreender aquele sentimento ou informação. E o curioso é que há sempre uma resposta, direta ou indireta, para o que é postado. É similar aos aspectos de uma terapia grupal no momento em que permite que apareçam as perspectivas individuais dentro das postagens, mas ainda com um viés que também permite uma identificação com o outro e seu mundo. É necessário a um só tempo compreender a nós mesmos e entender por qual ângulo estamos nos enxergando, e olhar para o outro em concomitância.
Esperança, otimismo e humor são algumas características que por vezes precedem os envios dos segredos. Em outros momentos, sucedem a confissão, pela reflexão que provocam. Os usuários comentam ocasionalmente que somente o ato de preparar o cartão já é terapêutico. Por outro lado, com o surgimento do aplicativo para telefone celular, fica a pergunta: será que ao compartilhar um segredo, ainda que com uma necessidade mínima de elaboração, não fica banalizado o sentido original do que Warren pretendia? O trabalho manual e psíquico de preparar e enviar o cartão, além da coragem requerida para isso, não serão substituídos pelo entusiasmo da contemporaneidade?
Quem usa o aplicativo pode ver que a cada minuto são compartilhados centenas de novos segredos. A facilidade de acesso propicia menor reflexão sobre o que se posta, além do fato de muitas pessoas simplesmente não seguirem a proposta básica, que é pensar numa frase acompanhada de uma imagem. Muitos enviam apenas um texto com uma imagem preta atrás, pois o ato de falar sobrepõe a arte e uma reflexão mais cuidadosa. A verdade é que existe uma semelhança do uso que tem sido feito desse aplicativo com uma integração de Twitter e Instagram, no sentido da quantidade de postagens muitas vezes pouco meditadas.
Porém nem tudo está perdido. Enquanto humanos, nossa capacidade de relacionamento é o que permite o encontro de sentido para nossa existência, então ao falarmos sobre algo que nos atinge, estamos nos autorizando a viver aquele sentimento de outra maneira. Não sabemos de antemão qual vai ser a reação do leitor da nossa postagem, além da possibilidade de nos surpreendermos com comentários sobre outras maneiras de enxergar aquela situação. Afinal, o outro não deixa de ser um espelho de nós mesmos, além de mostrar um viés que só ele é capaz de ver, pois o contato de cada ser humano com o mundo é único. Isso é o que nos torna especiais e indispensáveis no universo das relações, anônimas ou não.