Por Sandra Midori Kuwahara Sasaki
Lembro-me de uma palestra que assisti em 2006 com o título “São Paulo e sua Alma”. Foi emocionante estar ali, na Estação Pinacoteca, que antes era a sede do antigo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Ressoou em mim como uma tentativa de curar as feridas da nossa história.
Lembro que fui sozinha, desci na Estação da Luz, no meio daquela parte excluída da nossa cidade… ruas sujas, lixo, pessoas. Meu coração batia acelerado, com um pouco de medo, mas fui. No meio do caminho perguntei o trajeto para algumas pessoas, e aos poucos fui percebendo que tudo e todos faziam parte de mim. Enfim, cheguei.
O lugar era lindo… como as antigas construções da nossa cidade. Ele tinha sido transformado num anexo da Pinacoteca. Mas as sensações dialogavam comigo o tempo todo. A luz e a sombra eram sentidas nitidamente em minha alma.
Alma da cidade
Sentir a cidade e sua alma na minha própria alma, nestes primeiros minutos, já foi um presente. A vida mostrou neste pequeno trajeto uma percepção de mundo que muitas vezes ignoramos. Olhar para a sombra da cidade é sempre um movimento difícil. É mais fácil ignorá-la. Assim como muitas pessoas fazem com a própria sombra. Infelizmente.
Essas lembranças todas remeteram meus pensamentos para as tragédias que vêm acontecendo no nosso país desde o início do ano. As pequenas rachaduras da barragem de Brumadinho foram ignoradas. O bullying sofrido pelo adolescente que matou seus colegas na escola foi ignorado. O lixo jogado nos rios foi ignorado, até que ele transbordou inundando as ruas e destruindo tudo. A máquina que move a sociedade ignora as pequenas rachaduras, a pequena lata de cerveja jogada no rio, a depressão de uma criança que encontrou no mundo virtual um antidepressivo. Pois é, a questão é muito mais complexa do que imaginamos.
Difícil caráter do ser humano
Muitos querem justificar as tragédias associando a atos políticos. Mas creio que se analisarmos profundamente, chegamos no mais complexo e difícil caráter do ser humano. É você quem escolhe ser corrompido. É você quem escolhe dopar o seu filho em vez de conversar com ele. É você quem entra em dívida comprando um videogame de última geração, para que seu filho fique quieto enquanto você assiste à sua novela. É você quem ignora o bullying que acontece embaixo do seu nariz. É você quem escolhe jogar um papel de bala pela janela. O ser humano tem muita dificuldade em trabalhar com prevenção. Esperam o câncer entrar em metástase para iniciar um tratamento doloroso. Esperam chegar no limite para cuidar da sua casa simbólica. Sim, tudo faz parte da sua casa simbólica que integra nossa pequena polis.
São Paulo e sua Alma falam de você. O reflexo da sombra que ignoramos o tempo todo. A pequena sombra que somada a outras sombras tornam o mundo todo uma escuridão sem fim. A cegueira em si mesmo pode te levar a um abismo doloroso. Como a parábola dos cegos do excelente artista Pieter Bruegel do século XVI: “quando cegos são guiados por cegos, todos caem no abismo.”
Portanto, cuide de si mesmo, da sua família, do seu jardim. Reavalie seus princípios, valores, e atitudes diante da vida. Faça pequenas mudanças para que seu filho, seus amigos, sua família, seus colegas de trabalho aprendam com suas atitudes. Lembrei-me de uma frase do sábio Gandhi que dizia: “Nós devemos ser a mudança que queremos ver no mundo”.
Mude.
Agora.
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