Por Ângelo Medina
"Um certo dia", ela me contou, "encontrei-o na rua, em frente de casa, caído, machucado… Levei-o para dentro com muito esforço, limpei-o, fiz-lhe curativos nos ferimentos, coloquei-lhe roupa limpa, dei-lhe um café forte, e só aí ele acordou.
Levou algum tempo para perceber o que havia acontecido, mas, quando se deu conta, levantou-se, sentou-se na cama, e, com o dedo apontado na minha direção, disse: NÃO TE DEVO NADA! Você fez o que fez porque quis, eu não lhe pedi nada. Nunca me venha depois cobrar isso!"
Sorrindo, ela completou: "Mesmo de ressaca, ele sempre soube que as verdadeiras boas ações não são investimentos que fazemos para podermos um dia resgatar com juros… Ao se libertar daquilo que seria uma dívida, e por não se considerar um devedor, libertou-me do incômodo papel de credora. Dessa maneira, continuamos sendo um homem e uma mulher que se amam e estão juntos apenas, e somente, por causa deste sentimento".
Ninguém gosta de se sentir um eterno devedor de ninguém. Isto aprisiona e transforma as pessoas em reféns, formando uma rede de "credores" e "devedores".
Você com certeza já passou por uma ceia de Natal, daquela tipo, mesa farta e a parentália toda, onde provavelmente iria encontrar algum parente que desejaria que estivesse lá no Afeganistão.
O trecho que abre esta entrevista foi extraído do novo livro do escritor e psicólogo Roberto Goldkorn. Trata-se de uma situação corriqueira, um exemplo, de que tudo pode ser diferente entre pais, filhos, parentes, casais, patrões, empregados e por aí afora.
Como ainda falta praticamente um mês para o Natal, você pode tirar o peso emocional da sua próxima ceia, tendo como cardápio principal, a leitura desta entrevista.
Nesta entrevsita ao Vya Estelar, Roberto explica como agir quando alguém chega com a pesada conta do "amor", da ajuda prestada ou em nome de uma suposta amizade. Acabe com esta nefasta relação de "credor" e "devedor". Rompa este laço que leva todos os tipos de relacionamentos à falência, indo junto também sua auto-estima. Você vai aprender que, às vezes, dizer um "não", não é uma gratidão e vai se sentir livre.
Vya Estelar – O que são os passivos emocionais e sentimentais?
Roberto Goldkorn – São "dívidas" cobradas explicitamente ou de forma sutil, que não são devidas, ou mesmo que forem devidas, ao serem objeto de cobrança ou de chantagem deixam de ser exigíveis para se tornar uma forma de opressão e de coerção emocional.
Vya Estelar – No texto que abre esta entrevista, sobre a história da mulher e do cara que se embriagou, só um seria o passivo emocional no caso o embriagdo (devedor) ou existe não só neste caso, mas também em outras situações uma relação simbiótica, ou seja, de troca onde ambos seriam passivos emocionais, como por exemplo, a relação entre pais e filhos, marido e mulher?
Roberto Goldkorn – Infelizmente, essas relações nem sempre são simples ou de mão única. Na maioria dos casos, quem deve aqui, é credor ali, criando uma situação de enredamento que atrasa a vida e se torna um fardo para a caminhada livre pela vida. Em praticamente todos os casos a relação é simbiótica e, não podemos afirmar que o devedor, aquele que é dono do passivo, também não seja responsável, pelo menos em parte, pela criação e manutenção do passivo. É claro que em caso de crianças, ou seja, quando as vítimas são crianças, o ônus é do adulto.
Vya Estelar – Existem diversos graus de passivos emocionais, digamos os mais leves até chegarmos nos mais pesados?
Roberto Goldkorn – Sim é verdade, como em todas as emoções e sentimentos humanos, as gradações existem e variam de intensidade. É muito difícil conceituar um passivo light e um heavy, pois esse peso vai depender da força ou da sensibilidade de quem o carrega. Mas um pai, que repete para o filho durante anos, que seria bem melhor para ambos se ele (o filho) não tivesse nascido, está colocando nesse filho um passivo de dimensões gigantescas, mesmo para o mais insensível dos seres.
Já um marido que exige da mulher certos direitos, dizendo-lhe que se não fosse por ele, ela estaria morando num barraco miserável, comendo farinha com água, numa lata de marmelada, está dando um tiro no próprio pé. Ele está envenenando a própria "comida" e municiando a mulher para que ela, um dia, lhe dê o troco.[
Vya Estelar – Dizer para o seu credor: "Não te devo nada", pode ser uma atitude ingrata em relação ao credor?
Roberto Goldkorn – Só nas dívidas reais, pecuniárias. Mas nas dívidas emocionais, essa atitude é legítima, uma vez que se esteja diante de uma cobrança. Os verdadeiros favores, ajuda, dedicação, só são verdadeiros se não encejarem objeto de cobrança posterior.
Vya Estelar – Mesmo quando seja a seguinte situação:
Hoje eu estou bem de vida e avalizo um amigo para alugar um imóvel, amanhã quem esta na pior sou eu e peço para este amigo me avalizar num aluguel e ele nega. Nesta caso, foi uma ingratidão ou ele pode me falar não te devo nada e está tudo certo?
Roberto Goldkorn – Aí cai na resposta anterior, pois além do favor está envolvido dinheiro, uma transação comercial. Mesmo assim, há situações espinhosas, por exemplo, se você sabe que os valores envolvidos no pedido de aval são muito superiores aos do que você pediu para avalizar, talvez seja prudente negar, naturalmente, o seu amigo vai julgar isso uma ingratidão. Isso ilustra bem, a vasta área cinzenta que existe nesses assuntos.
Vya Estelar – Como os pais devem fazer para não criarem filhos que sejam passivos emocionais?
Roberto Goldkorn – Estarem atentos. A distração é imperdoável. Prestar atenção no fato de estarem realizando um trabalho de uma importância incomensurável. Entender que estão criando um ser humano, que logo estará interagindo com a sociedade. Entender que aquela criança é um projeto em andamento; e não permanecerá criança toda a vida. Policiar-se para não cobrar, para não ter necessidade de acuar o filho ou a filha com faturas daquilo que fez por ele ou ela. Quem ama não cobra. Quem tem consciência não cobra. Quem está ligado não cobra. Quem é inteligente não cobra.
Vya Estelar – Por que as mulheres são as grandes passivas emocionais do planeta?
Roberto Goldkorn – Houve um tempo em que o ser humano partilhava do planeta; e se regozijava com os frutos que o planeta lhe ofertava. As mulheres por serem as doadoras de vida, eram vistas como metáforas humanas do planeta. E eram não só respeitadas, como também tinham um lugar de destaque nas sociedades. No momento em que o homem resolveu dominar o planeta, loteá-lo, e se tornar seu senhor, a mulher dançou. Associada a passividade da terra que aceita tudo, ela foi subjugada, pela espada, a mesma usada para conquistar terras ou mantê-las. A partir daí, foram raras as culturas que não viram a mulher como devedora. Ouvi uma história de um monge Hare Krishna, que disse: "Espírito não tem sexo. Mas o Sr. Krishna, para castigar alguns espíritos pecadores, os faz nascer em corpo de mulher." Com argumentos assim, fica complicado não nascer já com um grande débito emocional.
Vya Estelar – Como você classificaria os passivos emocionais e qual seria o tipo que sofre mais?
Roberto Goldkorn – O supermercado dos passivos emocionais é vasto e variado. Eu diria que quem sofre mais, são as pessoas desprovidas de poder de reação. Mulheres sem dinheiro e sem base familiar, crianças, pessoas despreparadas intelectualmente, os pobres, pessoas idosas e sem poder de reagir, pessoas com deficiências; e aquelas cujo poder de locomoção está prejudicado. É muito fácil falar a uma mulher que sofre nas mãos de um agiota emocional, "sai de casa, vai embora", quando ela não tem dinheiro, não sabe fazer nada, não tem base familiar para apoiá-la. Mesmo assim algumas tomam essa decisão e vão acabar nas mãos de outro ou outros algozes.
Vya Estelar – Como deixar de ser um passivo emocional e se livrar da pesada conta do amor?
Roberto Goldkorn – Não existe uma fórmula. Às vezes me deparo com casos que a mim, me parece fácil resolver, mas quando me coloco dentro da pessoa, vejo que minhas palavras não vão ter eco. A ilusão é tão poderosa quanto a mais real realidade. Uma pessoa bem hipnotizada, quando lhe dão uma cebola para comer e, lhe dizem que é uma deliciosa maçã, ela não tem dúvida de que está saboreando uma maçã. Há ocasiões em que penso, "essa pessoa precisa morrer e nascer de novo, para reverter esse quadro – filosoficamente falando é claro.
Vya Estelar – Quem faz do outro um passivo emocional é um sacana ou ele faz do outro um passivo emocional, mas de modo inconsciente?
Roberto Goldkorn – Olhando a coisa com uma perspectiva espiritual, mesmo o sacana, é um inconsciente, é um ignorante. Como a relação de passivos é sempre simbiótica, tanto o agiota, quanto o agiotado, estão escravos de um script perverso. Se o devedor está preso, amarrado pela dívida, o credor também está preso, amarrado pelo crédito, que acha que tem, e que precisa cobrar.
Vya Estelar – Como aprender a dizer não?
Roberto Goldkorn – Treinando. Praticando. Habituando o próprio ouvido a ouvir a palavrinha temida, vinda de sua própria boca. É como educar o ouvido para gostar de ópera.
Vya Estelar – Como lidar com a situação de passivo emocional no relacionamento amoroso. Devo amar alguém sob quais condições?
Roberto Goldkorn – Quando oriento os empresários e pessoas envolvidas com a trama amorosa, repito sempre a mesma pergunta: Qual é o seu negócio? E vou repetindo essa pergunta insistentemente até a pessoa ou o executivo, chegar ao âmago, ao coração do tema. Quando se quer triunfar nos negócios e, quando se quer ser feliz no amor, é preciso saber exatamente o que se quer, o que significa ser feliz, ou ser bem-sucedido. Ir fundo nessa conceituação, é excluir as fantasias, os scripts culturais, as expectativas sociais, os pré-conceitos, as superstições. Como diz aquela letra de música, quando se quer amar é só amar.
Vya Estelar – Com lidar com a situação de ser passivo emocional no ambiente de trabalho? Chefe/subordinado, patrão/empregado?
Roberto Goldkorn – Teoricamente é das mais fáceis de resolver. Quando o indivíduo se sente, agiotado, pede as contas e dá o fora. Mas na prática a coisa é mais complicada, primeiro por que as pessoas têm medo de ficar sem trabalho e sem dinheiro, segundo porque em muitos casos quando se estabelece tal relação, o passivo tem também uma personalidade masoquista e, acaba encontrando o seu par, o sádico. Aí temos novamente criada a relação simbiótica.
Vya Estelar – A ausência do sexo no relacionamento cria passivos emocionais por quê?
Roberto Goldkorn – Em muitos casos o sexo é moeda de troca. A ausência do sexo pode representar uma inadimplência. Se a pessoa está impotente para pagar em sexo, vai assinando promissórias emocionais, se rebaixando, se submetendo, tentando compensar a falta da moeda principal.
Vya Estelar – Por que diante da impotência sexual o homem se torna um passivo emocional?
Roberto Goldkorn – Hoje mais que ontem. Pelo menos as ocidentais, passaram a exigir de forma explícita ou velada, a sua parte no butim sexual. Quando o homem não consegue dar a parte delas, fica sentindo-se devedor; e tenta pagar em outras moedas. Pode vir a se tornar um devedor crônico. Para quem está de fora, e não sabe o que acontece entre as quatro paredes, fica incompreensível ver o homem ser humilhado e sacaneado pela mulher, a quem ele dá tudo, e ela continua insatisfeita, impaciente e sempre irritada com ele. Agora, vocês quando virem uma situação dessa já podem imaginar o motivo por trás da cena.
Vya Estelar – O quê a pessoa deve fazer quando quer dizer não numa situação para lá de intrincada. Mesmo que este não seja o preço que ela tenha que pagar pela sua liberdade?
Roberto – Volto ao que já disse – é preciso saber e se convencer de qual seja o seu negócio. Se o seu negócio é ser feliz, é ser livre, a atitude vai acontecer. Mas se você optou por ser mártir, resgatar culpas ancestrais, redimir-se pela dor, pela renúncia, aí também há um caminho. Penoso, mas um caminho.
Vya Estelar – Na prática qual é exatamente a relação entre os passivos emocionais e o ato de saber ouvir?
Roberto Goldkorn – Muitas armadilhas poderiam ser evitadas se as pessoas soubessem ouvir, vendo os sinais que a vida lhes dão. A ânsia de se relacionar, de ser amado, e de amar, de conquistar um lugar no alto do pódio, pode levar as pessoas a ignorar os avisos que a vida (para os mais exigentes o próprio inconsciente) sempre dá. Por isso é importante Ouvir e Ver.
Vya Estelar – Todos nós somos sempre passivos emocionais de alguém? Dá para se livrar totalmente desta situação?
Roberto Goldkorn – Se você for meditar numa caverna no alto do Himalaia, sem família, sem trabalho, sem dinheiro, sem vínculos sociais, talvez, repito talvez, possa ficar totalmente isento de passivos emocionais; e aí gritar bem alto, do alto da montanha, para ninguém ouvir: NÃO TE DEVO NADA!
Homenagem: Roberto Goldkorn transcende e vem como um anjo vingador nos consolar- clique aqui
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Não te devio nada!
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