por Aurea Afonso Caetano
“Todo mundo carrega uma sombra, e quanto menos ela está incorporada na vida consciente do indivíduo, mais negra e densa ela é” (Jung)
Costumamos nos ver como seres racionais, donos de nossa vontade, senhores de nosso destino. Será? O que dissemos, no artigo anterior, a respeito dos “black blocs” (veja aqui), ilustra bem essa ideia.
Há, em cada um de nós, partes não conhecidas a que costumamos chamar – inconsciente. E, nesse inconsciente, permanece tudo aquilo que não tem lugar na consciência, seja o não conhecido, o conhecido mas rejeitado, o difícil, ou seja tudo aquilo com que o ego/consciência não se identifica.
Utilizamos o conceito de persona para falar da face com que uma pessoa se coloca no mundo. Tem a ver com uma identidade sexual – sou do gênero masculino ou feminino – uma identidade social, sou fulana de tal, filha de fulano e fulana, uma identidade grupal, étnica, religiosa – posso me apresentar de acordo com minha raça, ou religião – uma identidade profissional – exerço uma determinada atividade. Isto é, várias facetas que configuram a forma como me apresento ao mundo.
Tudo aquilo que não está na persona, está no que convencionamos chamar de sombra ou, como disse Jung: “a coisa que uma pessoa não tem desejo de ser.” Tudo aquilo que está iluminado tem uma sombra e nela todos os conteúdos que, por alguma razão, foram eliminados e estão fora daquilo que escolhi mostrar.
Na sombra estão qualidades desagradáveis, mas nem sempre negativas, com as quais a pessoa não se identifica. Quanto mais identificados com a persona, tanto mais conteúdos sombrios teremos. Ainda Jung: “Todo mundo carrega uma sombra, e quanto menos ela está incorporada na vida consciente do indivíduo, mais negra e densa ela é. Se uma inferioridade é consciente, sempre se tem uma oportunidade de corrigi-la.”
Da sombra, ao sombrio, ao escuro, ao negro é apenas um passo. Como não pensar nas questões de preconceito racial sem lembrar que o negro está associado a tudo aquilo que é inadequado, impuro. Na persona estão todos os aspectos iluminados, na sombra os que não têm luz e nesse lugar, tudo aquilo que nos amedronta porque, de forma paradoxal, faz parte de nós.
Estar consciente de nossas fragilidades é proposta essencial em qualquer forma de desenvolvimento psíquico. Quanto mais conheço a meu próprio respeito, quanto mais reconheço o que me incomoda, menos vou colocar ou projetar esse conteúdo em outra pessoa. Para poder ter uma via mais satisfatória, preciso reconhecer esses pontos cegos e perceber o que trazem, quais os conteúdos que estão lá no escuro.
Lançar luz, simbolicamente, é um movimento importante. Mas, devemos lembrar sempre que não existe algo como a iluminação perfeita; o que mais se aproxima da verdadeira perfeição é a capacidade de estar em paz e cuidar sempre de tentar perceber o que de fato é difícil para mim. Não existe nada como um ser sem sombra, essa é a maior impossibilidade (e a maior bênção) de ser humano.