Quarentena: e o tempo frente às telas?

Já foi comentado, nesse espaço, a mudança radical nos modos de convivência das famílias, determinada pela quarentena, imposta nesses tempos de coronavírus.

Gianpiero Petriglieri, professor do INSEAD (Institut européen d’administration des affaires) em uma comunicação no BBCWorklife, demonstra sua preocupação com a situação atual vivida pelas famílias em quarentena. Ele relata que, após quase dois meses  de confinamento em função da pandemia, distúrbios no contexto familiar são observados. Muitas pessoas estão exaustas, tanto as extrovertidas como as introvertidas, tanto os adultos como os adolescentes e as crianças. 

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Quando a pandemia surgiu, os membros da família, confusos, pois deslocados de seus escritórios, de suas escolas, de seus clubes etc, enfim de suas rotinas, se viram juntos, ocupando a própria casa em um convívio obrigatório e constante. A adaptação a essa situação não foi fácil e cada família buscou ajustar-se à sua maneira.

Não há o espaço da falta do outro e da privacidade 

Aspectos da vida que eram vividos separadamente: trabalho, estudo, amigos, família passaram a acontecer todos no mesmo espaço. Em geral, os diferentes papéis sociais das pessoas são exercidos em diferentes contextos, sendo sua modelagem dependente dos contextos. Entretanto, agora, os familiares estão confinados em um mesmo espaço, o que traz crises provocadas pelo convívio constante 24 horas por dia. Não existe mais o espaço da falta do outro, tão necessário nas relações de apego, tendo se tornado raro, também, o espaço da privacidade. O único espaço externo para interação que se pode abrir é a tela do computador.  

Com a pandemia, a família voltou-se mais ainda para as telas   

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Desde o início da pandemia pela Covid-19, mais do que em qualquer outra época, adultos e crianças encontram-se na frente das telas dos telefones celulares, dos computadores, dos tablets, das televisões. Buscou-se diferentes planos de internet que dessem suporte ao uso de tantos aplicativos e plataformas   utilizados ao mesmo tempo pelos familiares.

Antes da pandemia, acreditando-se que as crianças deveriam usar a tecnologia com moderação, utilizaram-se guias, feitos por especialistas,  com regras sobre o tempo que as crianças poderiam permanecer frente às telas. As regras variavam nas diferentes famílias e necessariamente em função das diferentes idades. Agora, com o fechamento das escolas, dos locais de trabalho, as questões sobre o tempo que as crianças e adolescentes acessam os meios eletrônicos deixaram de ser prioridade dos pais.

A necessidade diária do acesso ao portal da escola, a frequência às aulas à distância, à assistência às lives, além das  lições de casa e dos projetos em grupo com colegas, tudo isso coloca a escola dentro do computador, praticamente para todas as idades, da pré-escola à pós-graduação.

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Separar as atividades escolares do entretenimento requer treino e disciplina  

Os videogames, os jogos online, os vídeos no YouTube, as séries e os filmes da Netflix, o TikTok, as redes sociais… competem com a “escola no computador”. É necessária muita disciplina para estar virtualmente na escola, frente a tal competição. Os pais estão se empenhando muito para ajudar seus filhos nesse treino de disciplina.

Especialistas sobre o uso dos meios eletrônicos em crianças não se mostram tão preocupados, agora, com o tempo que as crianças ficam frente às telas. Sabem, sim, que as crianças estão mais tempo  frente às telas. Mas, acreditam que as famílias têm situações de estresse mais que suficientes para lidar nesses tempos. E, assim,  contar os minutos que os filhos estão ligados aos eletrônicos deixou de ser alta prioridade.



Na quarentena, preocupação com o tempo que as crianças ficam em frente às telas deixou de ser prioridade

Mesmo antes da época da Covid-19, um continente de pesquisadores estava rediscutindo o conceito de que a tecnologia da interação virtual seria inerentemente prejudicial às crianças. Diferentes aplicativos servem a diferentes necessidades e têm diferentes consequências, não podendo ser considerados juntos.

Nesse período pouco usual que atravessamos, essa diferença tornou-se nítida. A “escola dentro do computador” esclareceu isso muito bem. Também o lazer que os eletrônicos traz é inquestionavelmente positivo para as crianças, levando-se em conta os limites quanto aos conteúdos.

E o pós-pandemia, como fica? 

Após esses tempos de confinamento, as crianças reencontrarão o prazer das atividades ao ar livre, dos encontros presenciais com colegas e professores e do ir e vir pelos espaços externos de suas cidades. Mas, é evidente que continuarão bastante ligadas às telas.

Talvez as preocupações dos pais a respeito do excesso de tempo de exposição de seus filhos deva ser substituída pelo treino da capacidade de autorregulação do uso da tecnologia, que no caso das crianças significa a capacidade de desligar o dispositivo voluntariamente, mesmo que, no início,  elas precisem de um timer ou que sejam relembradas a fazê-lo. 

Coerentemente, o treino da capacidade de autorregulação do uso da tecnologia será também uma necessidade para os próprios pais. Vale lembrar que eles são os modelos para seus filhos.