por Monica Aiub
"O que mais se destacou foi a importância de ouvirmos o outro, de pensarmos juntos, de darmos voz àqueles que cotidianamente não têm voz: os jovens estudantes, os trabalhadores, as pessoas que vivem nas periferias"
No dia 22 de setembro tivemos o I Encontro de Jovens Pesquisadores. Este evento foi organizado pelo grupo de pesquisa sobre Filosofia Clínica e Educação do Instituto Interseção.
Nosso grupo desenvolve pesquisas na área há muitos anos, trabalhando com escolas, com professores, com orientação aos estudantes, entre outras atividades. Em 2011 estudamos, juntamente com professores da Educação Básica, filósofos que, independentemente de tratarem diretamente a questão educação, trouxeram, em seu pensamento, uma proposta de ruptura com os modos vigentes de compreender o mundo, de se posicionar, de construir a existência.
A motivação de nossas pesquisas sempre foi observar, no consultório de filosofia clínica, que muitos dos problemas apresentados pelas pessoas – inclusive casos em que os problemas desencadeiam transtornos mentais, têm origem em questões não trabalhadas em períodos anteriores de sua historicidade. Muitas das citadas questões são geradas pela falta de orientação para que os jovens possam construir suas vidas de acordo com suas escolhas.
A falta de perspectiva, o mundo que se apresenta como incompatível com as necessidades singulares, a falta de sentido para o existir, entre outras dificuldades, leva grande parte dos jovens a desistir de seus projetos e, às vezes, da própria vida. Impossibilidade é um termo muito comum no consultório. Este quadro nos move a pesquisar as mútuas contribuições entre filosofia clínica e educação, visando oferecer aos jovens estudantes um instrumental para ler o mundo, apropriar-se dos elementos existentes nele e construir sua existência como uma obra de arte.
Num encontro com professores, debatendo o pensamento de Humberto Maturana, lendo seu texto Emoções e Linguagem na Educação e na Política, nos deparamos com a afirmação da impossibilidade de pensar a educação sem pensar o projeto de país que queremos, uma vez que todas as diretrizes, os fundamentos, os fazeres, em educação, ocorrem a partir da perspectiva de tal projeto.
Questionamos, então, como formular o projeto de país que queremos sem consultar os mais interessados no problema, ou seja, os estudantes. E, a partir dai, incorporamos a nosso grupo os estudantes da Educação Básica, criando o projeto Jovens Pesquisadores.
Desta forma, reunimos um primeiro grupo, constituído, principalmente, por estudantes de escolas públicas das regiões periféricas de São Paulo. Dar voz à periferia também é parte de nossa proposta.
No primeiro momento, concluímos não ser possível pensar o país que queremos sem antes observarmos o país que temos. Por isso passamos alguns meses pesquisando diferentes olhares sobre o país que temos. Observamos os estudos sociológicos, históricos, antropológicos e filosóficos já desenvolvidos, e também, o olhar de cada um dos participantes. Traçamos, então, um retrato do Brasil que temos, e o modo como o vemos.
Pensamos num trabalho em rede, mas não conseguimos, neste momento, articular a rede virtual, necessitamos, nesta primeira fase, das pesquisas e das trocas presenciais. A ampliação da discussão e das pesquisas será um próximo passo a ser dado.
A partir do retrato traçado, algumas questões surgiram, e os estudantes foram orientados a desenvolver suas pesquisas a partir do instrumental da filosofia clínica. Isso supõe, em primeiro lugar, dar voz a eles. Num segundo momento, buscar a história do problema, compreender os contextos e os significados entrelaçados à questão, e desenvolver uma reflexão crítica acerca das possibilidades de formas para solucionar ou para lidar com o que se apresenta. Apropriar-se das possibilidades e experimentar a construção de formas de vida compatíveis com o país que queremos.
Interessante o questionamento de alguns professores e de alguns pais acerca da capacidade dos jovens, entre 14 e 18 anos, de desenvolver uma reflexão crítica. Capacidade essa demonstrada explicitamente na apresentação dos resultados de suas pesquisas. Não fizeram apenas uma reflexão crítica, mas também fundamentada em leituras, pesquisas e diálogos.
Um destaque para a flexibilidade das formas escolhidas para apresentar as questões, que foram desde as exposições acadêmicas, muito bem formuladas, expostas e fundamentadas, passando por entrevistas e análise de dados, até formas artísticas como dança, música e poesia. E mais fascinante ainda observar a maturidade para conduzir as discussões de modo respeitoso, ouvindo o outro, concordando quando o argumento assim o exigia, mas também mantendo respeitosamente o seu argumento quando a refutação não se apresentasse suficientemente convincente.
O encontro do dia 22, inteiramente organizado por nossos jovens pesquisadores, foi um grande painel das questões refletidas durante o ano: como vemos, sentimos e pensamos nosso país; nossos principais problemas; de que maneira o vestibular molda a maneira de pensar dos jovens; o papel da filosofia na educação; a importância de estudar política e da participação numa sociedade democrática; e muitas outras questões que desembocaram na proposta de uma Sociedade Alternativa, que poderia começar com uma escola alternativa, ou melhor, uma escola diferente do padrão vigente.
O público, extremamente participativo, pontuou questões, opinou, sempre com o lema PAZ conduzindo os posicionamentos. O importante era compreender e pensar junto; o importante era situar-se junto com o outro.
Assim vi nosso lindo encontro, com muito orgulho e esperança nas possibilidades de construirmos um país melhor e mais justo a partir das contribuições de cada um.
O que mais se destacou foi a importância de ouvirmos o outro, de pensarmos juntos, de darmos voz àqueles que cotidianamente não têm voz: os jovens estudantes, os trabalhadores, as pessoas que vivem nas periferias. E compreendi na voz do grupo Semblantes, cantando seu Grajaú, a importância de iniciativas como o Café Filosófico, a Roda de Poesia, os Saraus, o Cine Filosofia, os grupos de estudos e outras atividades que acontecem em nossas periferias e permitem a livre expressão, o pensar junto, dentro e fora do padrão vigente. Permitem as trocas que possibilitam novas formas de vida, novos modos de ser e de se relacionar.
Cada vez mais acredito na importância dos espaços que se abrem para o pensar, para a reflexão acerca de nossas questões cotidianas, como grande fonte para a compreensão do mundo e de nós mesmos e, consequentemente, para que possamos construir nossa existência, de modo respeitoso, compatível com o que somos e com aqueles que coabitam, que partilham conosco o mundo em que vivemos.
Convido o leitor, esteja onde estiver, a integrar nosso projeto, agora também em rede.
Vamos pensar juntos sobre o país, ou talvez o mundo, que queremos para nós e para as futuras gerações.
Para saber mais sobre o projeto: (Clique aqui)
Para saber mais sobre filosofia clínica na educação:
AIUB, M. Filosofia Clínica e Educação. Rio de Janeiro: WAK, 2005.
Artigos na internet:
Filosofia Clínica ajuda a Educar – Monica Aiub
Filosofia Clínica e Educação – César Mendes da Costa
Filosofia Clínica e Educação: Encontro com Bachelard – Monica Aiub
Gilles Deleuze, o papel existencial do professor. Abecedário Deleuze – César Mendes da Costa
Condutas e contracondutas na educação – César Mendes da Costa
Pensando a educação: diálogos – Monica Aiub
Toques de Filosofia na Sala de Aula – Jusirlene Alves de Souza