Da Redação
Estudo publicado nesta semana na revista Nature Scientific Reports mostrou, com detalhamento inédito, os danos na saúde ocasionados pela fumaça das queimadas na floresta amazônica, cujos efeitos podem se estender por toda a América do Sul. O trabalho, fruto de uma colaboração de pesquisadores da USP, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Fiocruz e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostrou como a exposição à fumaça causa danos ao material genético e morte das células pulmonares.
Pela primeira vez, foi possível demonstrar que as partículas de queimadas da Amazônia ao entrarem nos pulmões, aumentam a inflamação, o estresse oxidativo e causam danos genéticos nas células. O dano no DNA pode ser tão grave que a célula pulmonar perde a capacidade de sobreviver e morre. “Ou esta célula perde o controle celular e começa a se reproduzir desordenadamente, evoluindo para câncer de pulmão”, explica a pesquisadora Nilmara de Oliveira Alves, autora principal do estudo.
Para descobrir esses mecanismos, células de pulmão humano foram expostas a partículas coletadas na Amazônia e analisadas com técnicas bioquímicas avançadas, onde mediu-se o grau de inflamação e de dano no DNA. “Estas células podem induzir autofagia – processo que indica estresse celular – e também sofrer lesões no DNA que podem contribuir para formação de câncer”, acrescenta Alexandre Vessoni, pesquisador da USP e atualmente na Universidade de Washington em St. Louis, nos EUA.
Ameaças microscópicas
“A Amazônia sofre com o desmatamento e queimadas, consequências de um processo de ocupação desordenado”, afirma o pesquisador Paulo Artaxo, do Instituto de Física (IF) da USP, coautor do estudo. Todo ano, em setembro e outubro, os focos de incêndios disparam e uma nuvem de fumaça cobre toda a região amazônica, ocasionando sérios problemas respiratórios na população, como relatado em estudos anteriores coordenados pela pesquisadora Sandra Hacon, da Fiocruz, também coautora do estudo. Ela analisou dados do SUS e concentração de poluentes e observou uma forte associação entre queimadas e efeitos na saúde, mas não se conhecia os mecanismos pelos quais o dano no pulmão ocorre.
Os pesquisadores coletaram amostras do material emitido na atmosfera pelas queimadas na região próxima à Porto Velho, uma das áreas mais atingidas pelos incêndios na Amazônia. Nessa fumaça, existe o material particulado, que é formado por uma mistura de compostos químicos. O médico patologista Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, explica que, quanto menor a partícula, mais ela consegue penetrar profundamente no sistema respiratório, atingir os alvéolos pulmonares e ter contato com a corrente sanguínea.
A exposição ao material particulado é considerada uma das principais causas de câncer de pulmão de acordo com a Agência Internacional de Pesquisas sobre o Câncer (IARC), vinculada à Organização Mundial da Saúde. A poluição causada pela queima de biomassa na Amazônia emite compostos químicos que são diferentes dos poluentes emitidos pelos veículos automotores e pelas indústrias nos centros urbanos. “Outra novidade do estudo é que um dos compostos emitidos somente pela queima de biomassa (o reteno) é um dos grandes responsáveis pelos danos no DNA que observamos nas células pulmonares”, afirma Silvia Batistuzzo, professora da UFRN e orientadora do trabalho.
No Brasil, onde ao longo dos últimos 30 anos foram observadas altas concentrações de material particulado na atmosfera como decorrência de emissões de queimadas, não há nenhum programa de melhoria da qualidade do ar decorrente da queima de biomassa. “Nós esperamos que estudos como este incentivem o monitoramento dessas partículas finas que causam claramente danos à saúde”, finaliza Carlos Menck, professor do ICB e também orientador da pesquisa, que foi financiada majoritariamente pela Fapesp.
O artigo Biomass burning in the Amazon region causes DNA damage and cell death in human lung cells está disponível em: https://www.nature.com/articles/s41598-017-11024-3
Mais informações: Nilmara de Oliveira Alves, e-mail nilmaraoalves@gmail.com
Fonte: Agência USP