por Roberto Goldkorn
Quando estava no colégio comecei a escrever poesia, talvez inspirado pelas aulas de literatura e para exteriorizar uma supersensibilidade.
Como era de se esperar o tema principal "escolhido" era o amor. Um amor de perdição, de frustração, de esperanças, amores idealizados e chorosos. Amor de esquerda, de direita, de todos os tipos.
Um dia acreditando estar escrevendo coisa de primeira, tive a petulância de mostrar algumas poesias a minha musa professora de literatura.
Ela, com a maior paciência leu tudo e depois com um sorriso materno nos lábios do qual me lembro até hoje me disse mais ou menos isso: "Roberto o amor como tema universal é a matéria-prima de todos os poetas, da Grécia antiga, à Pérsia antiga, passando pelos poetas medievais, renascentistas, modernos, pós-modernos e que ainda nem nasceram. Todo mundo escreve sobre o amor. Por isso é tão difícil ser original. Isso que você está escrevendo é bonito, mas eu já li milhares de vezes e não traz nada de novo. Tente temas menos óbvios, menos visitados e quem sabe um dia possa escrever alguma coisa nova, virar o amor pelo avesso e assim fazer poesia boa, criativa".
Segui o conselho sábio, mas por algum motivo essas palavras ficaram mais do que seu prazo de validade em minha mente. Eu me perguntava ao longo desses anos: Por que tanta gente de todos os tempos, raças e níveis intelectuais escreveu e escreve sobre o amor? Em termos econômicos a resposta é uma só: Porque tem mercado para a poesia (e a prosa) de amor, não importando a qualidade. E por que tem tanto mercado assim tão inesgotável e tão fiel ao longo das eras, para a literatura amorosa? Essa pergunta demorei mais a responder, mas hoje penso saber a resposta: Escrever sobre o amor é certeza de ser lido, e por quê? Por que consumimos aquilo que não vivemos!
Quando jovem trabalhei numa grande editora, fui parar na redação de uma revista para o público jovem. Essa publicação chamava-se Geração Pop que falava de moda, atitude e de todo o universo dos jovens descolados da época. Fiquei entusiasmado com esse veículo e comecei a ter ideias.
Logo de cara o editor me fez descer das nuvens explicando de forma nua e mal passada: "Garoto, quem é pop não lê pop. Capicce?"
É mais ou menos a mesma coisa com o amor e suas representações literárias: quem ama não lê e quem lê não ama.
O moderníssimo ramo do neuromarketing chegou a uma conclusão meio vencida: Por mais racionais que pensemos ser, a maioria de nossas decisões é tomada em estado de inconsciência total ou
semi-inconsciência ou de motivação puramente emocional.
Uma pesquisa feita numa loja de vinhos mostrou que quando tocavam músicas francesas a venda de vinhos franceses subia 74%. Quando tocavam músicas alemãs acontecia a mesma coisa. De cada dez consumidores entrevistados só um confessava ter tomado a decisão de comprar o vinho por causa da música. Imaginem o grau de consciência que as pessoas têm ao embarcar em experiências amorosas?
Por isso se lê tanto sobre amor: para se alimentar de sentimentos e emoções que raramente se experimenta na real. Essa tentativa (novamente) inconsciente de se apoderar das emoções que de outra forma (elas é que) se apoderam do indivíduo, é a motivação por trás desse mercado de amor em letras.
Por isso que existe tanta gente sofrendo por falta ou por excesso de amor. Cada vez se mata mais em nome do amor; e batalhas cruentas são travadas tendo o amor como bandeira e justificativa. O tempo passou, a modernidade chegou, a tecnologia beira a fantasia científica e as névoas da irracionalidade continuam encobrindo amantes e amores.
Não defendo que se tente (seria absolutamente inútil e vã) transformar a experiência amorosa em uma relação puramente racional, intelectual. Mas hoje posso afirmar sem medo de ser pego de calças curtas: devemos olhar esse universo de amor e afeto com olhos mais abertos, permitir que a mente intelectual participe mais desse processo. E como se faz isso? Iniciando um trabalho de revisão dos nossos conceitos estruturadores. Quando assistimos jovens matando suas parceiras: "se ela não vai ser minha não será de mais ninguém" estamos vendo um antiquíssimo filme, de enredo criado na pré-história da civilização e da Razão.
Ao repetir esses discursos e atitudes pensando estar sendo originais, essas pessoas estão apenas encenando (como escravos ou robôs), velhos programas culturais coletivos.
Não estão sendo indivíduos, apenas manada. A mesma coisa acontece com a maioria das pessoas que idealiza e sofre por "amor". Sem perceber recitam antigos textos de poetas medievais ou gregos, ou persas. Por isso não têm chances de ser feliz – escravos não têm esse direito. Só gente livre tem acesso à felicidade e para ser livre é preciso Pensar: exorcizar a cada dia conceitos que vieram junto com o pacote educacional, mas que não são genuínos, não nos servem como individualidade.
Por isso se lê tanto sobre o amor – esse desconhecido. Por isso sugiro que leiam Sócrates, esse velho filósofo (também desconhecido) tem muito para nos ensinar sobre liberdade e amor.