por Monica Aiub
É interessante observar como algumas pessoas aguardam a passagem de um ano a outro para fazer revisão de vida, para modificar hábitos, para tomar resoluções, além, é claro, dos muitos desejos e sonhos que são construídos, pedidos, prometidos, no exato instante em que o relógio determina o fim de um ano e o início de outro. Haveria algo de mágico neste instante, capaz de realizar os desejos? Haveria algo diferente da passagem de um dia a outro, de uma hora a outra, que propiciasse resoluções? Que incutisse novos hábitos? Que nos permitisse compreender nossos processos de vida e, em certos casos, nos impelisse a encontrar outros caminhos?
Você fez promessas, pedidos ou desejos, modificou hábitos, tomou resoluções significativas para sua vida na hora da virada de 2008 para 2009? O que você fez no exato momento de passagem de um ano a outro? O que lhe moveu a fazer o que fez?
Nas duas últimas semanas atendi algumas pessoas em crise. Violentas crises provocadas por este período festivo, no qual muitos suspendem suas atividades, reúnem-se em família, viajam, festejam, comemoram as conquistas de um tempo passado, repensam a rotina e planejam o futuro. Enquanto isso, outros choram e se desesperam por constatar o que fizeram de suas vidas, perdem o sentido da existência, percebem o quanto não suportam o convívio familiar; outros, ainda, lembram-se de bons e saudosos tempos, e entristecem por eles não existirem mais. Choram amores perdidos, sofrem por relacionamentos terminados, descobrem-se infelizes com suas rotinas e impossibilitados para modificá-las.
Iniciamos 2009 em meio à crise mundial, aos conflitos na faixa de Gaza, e a outros inúmeros problemas que nos rodeiam. De que maneira estas e outras questões interferem em suas expectativas futuras? De que forma o que ocorre ao seu redor lhe provoca a pensar, a agir e a ser da forma como você pensa, age e é?
Célebre pensamento de Sartre
Se, como afirmava Sartre, o importante não é o que fizeram conosco, mas o que fazemos com o que fizeram conosco, os elementos que nos rodeiam nos constituem de alguma forma, o que vivemos até o momento presente também é constitutivo daquilo que somos, mas o que faremos daqui pra frente é, ao mesmo tempo, continuação da nossa história e também a possibilidade de uma nova história.
Se, como dizia Ortega y Gasset, eu sou eu e minha circunstância, e se não mudo a ela não me salvo, não apenas os elementos que nos cercam constituem nossas formas de existência, mas tais formas interagem e modificam o mundo que nos rodeia. Assim, construímos, ao mesmo tempo, o que somos e os contextos vividos.
Mas não vivemos isolados. Convivemos. De repente, quando tudo estava caminhando para uma vida tranquila, para atender nossas buscas e expectativas, alguém resolve provocar um movimento que nos afeta, interrompe nosso percurso, modifica completamente nosso contexto, nos obrigando a modificar os rumos de nossos caminhos. Como você costuma reagir a situações como esta?
Algumas pessoas, dependendo dos fatores alterados em seus contextos, perdem completamente o rumo de suas vidas. Não são apenas os elementos atingidos pelas transformações do contexto que se alteram, toda a sua estrutura existencial se movimenta. Em alguns casos, a pessoa, rapidamente, encontra novos contornos, cria formas diferentes de vida, modifica planos, com flexibilidade suficiente para ficar bem.
Nesse sentido, alguns veem situações de crise como grandes possibilidades, como a chance de transformar sua vida em algo melhor, sua existência em algo mais significativo para si mesmo e para o mundo. Porém, há casos em que a pessoa se desestrutura totalmente, fica cindida, partida, dividida.
A divisão pode dar origem a formas de vida concomitantes, ou seja, a pessoa divide a vida familiar de um lado e a vida profissional de outro. As dificuldades encontradas no ambiente de trabalho a fazem ser de uma maneira naquele ambiente, e o acolhedor contexto familiar permite que ela seja de outra em sua casa, a ponto de se sentir vivendo diferentes realidades paralelas – o exemplo pode ser exatamente o oposto.
Há também casos em que a desestruturação chega a tal ponto que a forma de ser daquela pessoa, até então, perde completamente o sentido, e ela não consegue construir outra forma que lhe permita existir.
O que diferencia uma situação de outra? A forma como a pessoa compreende a situação na qual está inserida, o que vê quando olha para o mundo ao seu redor e para si mesma.
No artigo anterior (clique aqui) abordei alguns aspectos de “Como o mundo parece”, o primeiro tópico da Estrutura de Pensamento, e destaco, aqui, a diferença entre a Circunstância (os contextos nos quais estamos inseridos) e Como o mundo parece (a representação que construímos acerca do mundo no qual estamos inseridos).
Afirma Schopenhauer em seu livro O mundo como vontade e representação, que “tudo o que existe, existe para o pensamento, isto é, o universo inteiro apenas é objeto em relação a um sujeito, percepção apenas, em relação a um espírito que percebe, numa palavra, é pura representação” (para saber mais sobre o conceito de representação, clique aqui [Percepção da realidade e do mundo é ilusória; saiba por quê]).
Significamos o mundo que nos cerca de uma forma muito própria, e isso nos leva a compreendê-lo de formas singulares e, consequentemente, nos posicionarmos de maneiras completamente distintas.
Há quem necessite esperar uma data, previamente determinada, por si mesmo ou por outros, para assumir posturas diferentes diante da vida. Há quem precise ser “chacoalhado” pelos eventos cotidianos, ou por outras pessoas, para se movimentar. Há quem se movimente por necessidades internas, por pressões externas, por desejos, por medos… são infinitas as possibilidades.
A questão que coloco é: como isso se dá na sua vida? O que faz com que você seja como é? Como você avalia sua forma de ser? Deseja mudanças? Deseja manter tudo como está? O que é necessário fazer para realizar seu desejo? Depende de você? O que o movimenta? Quem ou o que define seu modo de ser? Resumindo, faço uso da questão proposta por Lúcio Packter em sua palestra em Campinas-SP, dia 8 de dezembro: Quem é o autor da sua vida?
Referências Bibliográficas:
PACKTER, L. Filosofia Clínica: a filosofia no hospital e no consultório. São Paulo: All Print, 2008.
ORTEGA y GASSET, J. Meditações do Quixote. Rio de Janeiro: Libro Ibero-Americano, 1967.
SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e representação. São Paulo: UNESP, 2007.