por Dulce Magalhães
Que a mudança é a única coisa permanente, todos já sabemos bem. Também sabemos que não dá para controlar a mudança, gerenciá-la, conduzi-la, manipulá-la, defini-la ou qualquer de nossas tentativas de tomar posse do processo da vida. Tudo flui e a realidade vai se descortinando em novos cenários que nem sonhávamos em encontrar.
Não dá para antecipar o que desconhecemos. As circunstâncias se apresentam de um jeito inédito, inesperado e singular, que nossa imaginação, por mais prodigiosa que seja, é incapaz de predizer. Mesmo sabendo de tudo isso, temos a tendência a desejar, às vezes até ardentemente, que “determinada coisa” aconteça, mesmo que seja uma opção no limite de nossa ignorância.
Desejamos aquilo que conhecemos, que é superlimitado, porém julgamos que o que queremos é o melhor dos mundos. Quando o que almejamos não acontece, tendemos a considerar aquilo que de fato ocorreu como um erro, algo que não foi desejado, nem esperado, nem antecipado e, portanto, incorreto. De onde tiramos essa ideia?
Frente a um evento da vida que julgamos inadequado, costumamos pedir ardentemente que as circunstâncias mudem. Queremos que aquilo acabe, que não seja mais daquela forma, que o que desejamos aconteça logo para nos tirar daquela dor, angústia ou ansiedade. Essa é a forma como expressamos nosso desejo de controle. Oramos ou vociferamos para um Ser Superior, uma entidade sutil, etérea… enfim algo ou alguém que não é “desse mundo”, imaginando que ao pedirmos ou protestarmos, poderemos ser ouvidos e atendidos em nossos desejos. Uma espécie de PROCON cósmico.
E, algumas vezes funciona, pedimos e somos atendidos. Blasfemamos, ameaçamos, brigamos e somos ouvidos. Será a veemência? Será a justiça da causa pela qual lutamos? Será um dia bem-humorado do ombudsman universal? Ou será que os eventos já estavam destinados a seguir na direção de nossos desejos?
Outras vezes nossas aspirações não são atendidas. Será falta de mérito? Será que não colocamos a devida fé? Será que nos dirigimos ao departamento cósmico errado? Ou será que os eventos já estavam destinados a ser diferentes de nossos desejos?
Sabe Deus… com o perdão do trocadilho. Seja lá como funcione a teia complexa dos destinos entrelaçados, não parece muito razoável que o cosmo se reorganize em suas múltiplas dimensões para atender a um anseio individual. Não seria muito mais razoável e conveniente que nós é que nos rearranjássemos em relação aos eventos?
Ao invés de pedir para que as circunstâncias e eventos mudem, deveríamos desejar ardentemente e trabalhar com afinco para nos transformarmos frente aos eventos da vida, ou não… como diria um mestre zen.
De fato, esta reflexão não é um debate, é um conjunto de dúvidas com o potencial de nos inspirar para mudar o foco da mudança. Não espero convencer ninguém, mesmo porque não há nada de concreto sobre o fluxo da vida. Tudo são ideias apenas para desarmar nosso habitual ambiente de certezas. Só com dúvida há aprendizagem. Quem tem certeza não tem nada a aprender.
No imenso rio existencial há a corrente e a contracorrente, como em qualquer rio, aliás. Podemos não saber que rio é esse ou qual a direção é mais adequada, porém somos capazes de perceber se estamos no fluxo ou contrafluxo dependendo de como lidamos com os acontecimentos. Nadar a favor não exige esforço, podemos simplesmente nos deixar levar. Já nadar contra a corrente vai ser um enorme empenho de energia só para não sair do lugar.
Talvez essa seja uma boa pista para sabermos a quantas andamos, ou nadamos – para manter a analogia. Quem sabe é tempo de praticarmos um dos pedidos essenciais da oração do Pai Nosso: “Que seja feita a Vossa vontade”. Eu até arriscaria a sugerir que acrescentássemos um pedido extra: “Que sejamos capazes de aceitar a Vossa vontade”.
Bem, talvez, e só talvez, não seja o caso de pedirmos, desejarmos ou sofrermos pelas mudanças que aspiramos, mas sim de mudarmos nossa perspectiva para lidar melhor com todas essas mudanças. Que, independente de nosso julgamento de certo ou errado, seguirão ocorrendo.