Raiva: o que fazer quando ela aparece?

Uma complexa trama de condições pode causar esse sentimento, em muitos casos associado à frustração. A raiva é um problema?  Fora quadros psiquiátricos, na maior parte das situações a raiva é um sentimento pertinente.        

Como nos comportamos no estado que chamamos de raiva? A tensão corporal aumenta, o sangue parece ferver, a adrenalina ativa nosso corpo, os batimentos cardíacos podem ficar acelerados. Ficamos em guarda, prontos para nos defendermos de algum ataque, real ou imaginário. Geralmente os pensamentos são de forte oposição a ideias, instituição, pessoa ou grupo. Estratégias de ataque ou defesa são delineadas, nem sempre com o discernimento necessário para que as decisões sejam suficientemente sábias e justas. Em alguns casos a raiva e o medo se misturam, o coquetel é perigoso.

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Quais condições produzem tal estado explosivo? As possibilidades são muitas. O mais comum é estar numa situação que envolva prejuízo inesperado, perda, injustiça ou insucesso, um componente de frustração parece ser o tempero principal.

Algumas pessoas sentem muita raiva do que elas mesmas fizeram, ou deixaram de fazer. Neste caso prevalece a autocondenação, a forte raiva compete com comportamentos amorosos, de autocompaixão. Há gente que fica presa na “culpolândia”, remoendo decisões erradas que tomaram sabe Deus quando, e a vida assim se parece com um grande pântano, viscoso, imobilizante, sombrio.

Acolha você

Sabem a pessoa que atira o próprio celular ao solo ou soca a porta do armário em fúria na hora da raiva?  Sair desse estado requer perdoar-se, reconhecer o insucesso e abraçar novas possibilidades. Aprende-se com a experiência e vida que segue. Se errar de novo, que não seja uma repetição infinita. Algumas demonstrações de raiva parecem ter um efeito de ameaça sobre a outra pessoa, o oponente. Exibe-se agressividade como forma de intimidação, de ameaça. Quem sabe, assim, o oponente que me enraiveceu recue, volte atrás…  Em outros casos, a raiva solitária pode ser o jeito aprendido pela pessoa para alcançar um estado de regulação emocional, um modo autodestrutivo e estabanado de obter alívio e tolerar a adversidade.

Para entender as funções específicas de comportamentos de raiva precisamos desenvolver uma observação atenta, a qual irá trazer um entendimento do que se passa com determinada pessoa nos contextos geradores de raiva.

Raiva é um problema?

Depende. Um pouco de raiva pode saudavelmente motivar alguém que está sendo injustiçado a buscar se defender, dentro de princípios de igualdade de direitos e deveres, justiça, normas sociais. A raiva compreensiva pode ajudar alguém a aceitar seus sentimentos de raiva (por um pai alcoolista que foi violento com a família) e ao mesmo tempo pode ajudar a vítima a pesarosamente compreender as razões que contribuíram para o pai ser violento.

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Filme “Relatos Selvagens” exibe mecanismos da raiva

A raiva sem controle, desmedida, por sua vez, pode gerar desenlaces trágicos. Vocês assistiram ao filme argentino “Relatos Selvagens”? Seus cinco episódios transitam pela vingança, ódio, revides, fúria e assemelhados. Com humor corrosivo, muita ironia e liberdade criativa o filme exibe a raiva em sua modalidade letal, destrutiva em grau extremo. Em um dos episódios, um dedicado pai de família se torna perigoso ao se ver desamparado e às voltas com a insana burocracia do departamento de trânsito.

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Raiva e quadros psiquiátricos

Um tipo particular, e bem menos frequente de raiva, precisa ser melhor estudada, de modo a ajudar pessoas que vivenciam a raiva como sintoma de quadros psiquiátricos. Certos portadores de transtorno bipolar de humor podem vivenciar um humor fortemente irritável. Há pacientes em fases do que denominamos humor em mania irritável, que referem estar à caça de razões para brigar, para colocarem para fora sua desmedida raiva, vontade de brigar, gritar, explodir. Qualquer coisa serve como razão. São pessoas afáveis, justas, ponderadas, mas quando seu humor está equilibrado. Supõe-se haver a participação de alterações neuroquímicas, indutoras das alterações comportamentais. Privação de sono e remédios como corticoides também podem facilitar que pessoas predispostas ao transtorno entrem num estado como o que descrevi. Outros transtornos como dependência de substâncias e esquizofrenia podem também incluir sérias manifestações de raiva, e os indivíduos com estas condições precisam receber todos os cuidados médicos e psicológicos.

Na maior parte das situações a raiva é um sentimento pertinente, justificado e que, se devidamente acolhido e manejado, não implicará em danos para a pessoa ou para terceiros. No seio das famílias residem as maiores oportunidades de ensinar crianças e jovens a reconhecerem suas emoções e canalizarem forças para emitirem ações corretivas, de proteção, defesa, reequilíbrio de forças. Aprender a identificar em si e nos outros a raiva é um passo inicial a seguir; ensina-se a olhar para o contexto em busca de soluções justas, benéficas. Pode-se observar a emoção sem ter que embarcar nela: treinar meditação de atenção plena, a prática conhecida como mindfulness, ajuda muito.

Redes sociais favorecem manifestações de raiva

As redes sociais estão favorecendo manifestações de raiva/ódio. Agressores se sentem protegidos atrás do teclado de um computador e muita violência tem se desenvolvido a partir de ações cibernéticas individuais (os chamados heters) ou praticadas por grupos extremistas, organizados em torno de um discurso de ódio, por uma causa ou outra.

Se pintar raiva em sua vida, se coloque como observador das sensações corporais, dos pensamentos, da situação ao redor. Pergunte-se: e agora? Neste momento a força física, armas, ofensas e quetais costumam ser péssimas fontes de conselhos. Se puder, expire lentamente, bufe para fora, se afaste um pouco, diga a si mesmo frases apaziguadoras e se pergunte, como resolver isso com sabedoria e justiça? Achou difícil? Eu acho. E até sinto raiva quando acabo quebrando a cara de bobeira, apenas porque embarquei sem hesitar na crueza da raiva…

É psicoterapeuta na abordagem analítico-comportamental na cidade de São Paulo. Graduada em Psicologia pela PUC-SP em 1981, é Mestre e Doutora em Psicologia Experimental pela IP-USP. Atua como terapeuta e supervisora clínica, é também professora-convidada em cursos de Especialização e Aprimoramento. Publicou dezenas de artigos científicos, e de divulgação científica, além de ser coautora de livros infanto-juvenis.