por Regina Wielenska
“Podemos escolher nossos rumos usando vários parâmetros, mas entre todos, sugiro eleger um que entenda a impermanência mais como regra do que como exceção…”
Acabei de assistir a um pequeno registro urbano no TLC, um canal de TV paga (vídeo acessível pelo site http://www.criatives.com.br/2013/01/intervencao-urbana-esculturas-em-gelo/).
Nele, narrou-se a experiência da artista plástica Néle Azevedo que, depois de trabalhar com esculturas de ferro fundido, começou a produzir pequenas obras em gelo, com formas humanas. Em locações diversas, como os nichos da cidade de São Paulo, a escultora deposita suas peças, que inexoravelmente chegarão ao estado líquido em questão de pouco tempo. O público se espanta, fica encantado, perplexo ou até compadecido com o processo de derretimento das belas estatuetas, as tais pessoas em miniatura vão derretendo a cada minuto, sentadas no mobiliário urbano, constituído por degraus de escadarias do metrô, muradas de prédios, sarjetas. Há quem fotografe a obra, ou se ponha a contemplar o derretimento, quase em estado de devoção. Impossível é deixar passar batido.
No mesmo dia em que vi o vídeo sobre a artista, recebi o e-mail de uma amiga, que partilhou comigo a tristeza de perder sua fêmea de labrador, animal que conviveu com ela por cerca de quatorze anos, um período pontuado pela incondicionalidade do amor, bom humor, disponibilidade do animal para lidar com a família em cujo seio foi criado. Sabemos de antemão que o limite da vida de um cachorro costuma ser bem menor que o humano, e ter consciência do fato não nos impede de sentir pena, tristeza ou saudade a cada vez que um cão morre.
Em comum aos dois eventos reside a noção de transitoriedade, inerente à experiência humana. Somos inclinados a fazer de conta que tudo de que gostamos, inclusive nossa existência e amores, é coisa para sempre, imutável. Negar a finitude ou a transitoriedade dos estados de cada coisa ou ser não resolve muito nosso problema, o que podemos fazer é olhar de frente para essa roda da vida, sabendo que o que vivermos agora é algo único, sem volta.
Reconhecer nossa fragilidade nos ajuda a fazer escolhas conscientes
Reconhecendo a fragilidade própria dos seres, podemos fazer escolhas conscientes:
– Eu escolho estar de verdade com meus filhos ou vou me deter nas redes sociais e esquecer da vida?
– Trabalho mais para ter coisas de duvidosa relevância ou trabalho na medida para ser exatamente aquilo que me faz sentido?
– Medito um pouco e entro em contato com as incertezas do presente ou tomo hipnóticos para dormir, abafando meus sentidos?
Podemos escolher nossos rumos usando vários parâmetros, mas entre todos, sugiro eleger um que entenda a impermanência mais como regra do que como exceção, e que valorize esse dado ao conceber as razões que podemos ter para continuar vivendo. O que me resta é estar presente a cada momento, sentir a vida se desenrolar em suas múltiplas tramas, mesmo aquelas menos afeitas ao meu gosto.
Não quero perder nada, mas aprendi que perderei coisas aqui e acolá, até que a vida se perca mesmo de mim. Até lá, tocarei a vida com senso de propósito e compromisso, preservando a capacidade de me maravilhar com miudezas grandiosas, como as esculturas de Néle ou o pardal que cata alimentos no jardim.