por Monica Aiub
Algumas pessoas que procuram o consultório de filosofia clínica trazem, entre suas questões, alguns problemas derivados de suas relações, o que inclui, hoje, relações nas redes sociais.
São muitos os tipos de queixas:
“As pessoas não se encontram mais, não conversam mais; apenas postam banalidades nas redes sociais e medem sua popularidade por curtidas”;
“Só postam imagens de uma falsa felicidade, como se todos estivessem felizes. Parece que só eu estou triste, infeliz. Eu odeio o Facebook por isso!”; “
Só vejo meus amigos e familiares pelas redes sociais, que solidão!”; “
As pessoas não dizem o que pensam nas redes sociais, dizem o que trará aprovação de uma maioria”;
“As pessoas se fecham nos grupos que pensam como elas, se você pensa diferente, é bloqueado”;
“Ninguém curte o que eu posto, meus amigos não gostam de mim”;
“As pessoas são raivosas e violentas nas redes sociais. Pensam que por que não estamos diante do outro, podemos falar o que bem entendemos, sem consequências. Não há mais debate, crítica, reflexão, há apenas ofensas”;
“Fulano visualizou a mensagem que eu mandei, e nem me respondeu. Me ignorou! Quem ele pensa que é?”…
Talvez você, leitor, esteja incomodado com questões como estas. Talvez já tenha pronunciado algumas das frases citadas. Talvez seja exatamente aquele a quem tais queixas se dirigem… O que pensar de tudo isso?
É comum ouvirmos e lermos vários textos que tratam da liberdade e da autonomia que ganhamos com as redes sociais. Assim como Paulo Henrique Amorim, em seu livro "O quarto poder", apresenta a mídia como este poder, Everson Nauroski apresenta, em "O príncipe eletrônico: mídia, poder e sociedade", as redes sociais como “O Príncipe”, o condottiere de nossos dias, uma espécie de quinto poder. Haveria mesmo tanto poder nas redes sociais? Em que esse poder se difere, diminui ou amplifica, reproduz ou contrapõe o poder da mídia tradicional?
Se, de um lado, a mídia tradicional seleciona o que publicar de acordo com seus interesses econômicos e políticos, teríamos, em tese, nas redes sociais e nos blogs, total liberdade para postar o que desejarmos. Será que isso é um fato? Você, leitor, posta em suas redes sociais tudo o que pensa, deseja, sente e é? Vê seus amigos também postando o que pensam, desejam, sentem ou são? Temos mesmo esta liberdade, ou ela depende de uma suposta avaliação daqueles que curtirão ou não, comentarão ou não, lerão ou não nossas postagens?
Uma primeira e aparentemente ingênua questão é a ideia de popularidade. Se o que postamos for muito fora dos padrões de postagens de nossos grupos, não teremos nossos posts curtidos. Se, por outro lado, apenas reproduzirmos os padrões, não teremos destaque. Então, começam a ser criadas formas, receitas de como tornar seus posts interessantes. Coisas engraçadas, gatinhos, fotos “fofas”, o que é notícia no mundo… Mas não seriam tais receitas replicações dos padrões estabelecidos socialmente e já replicados na mídia tradicional? Uma resposta imediata seria: “Não! A vida privada se faz presente nas redes sociais”. Mas não estaria ela também presente nas mídias tradicionais?
Ao buscarmos popularidade, acabamos por replicar o que todo mundo diz, o que todo mundo pensa, o que todo mundo quer ver, mas quem é “todo mundo”? Quem se beneficia com tal comportamento? Nós, por uma pseudopopularidade? Digo pseudo porque o número de curtidas, por maior que seja, não chega perto do alcance de uma transmissão de TV, mas também porque por mais que nossas postagens sejam curtidas, nem sempre serão, de fato, lidas e compreendidas.
Contudo, muitos likes correspondem à monetização de um perfil, de um canal do youtube, de um blog… Não parece o mesmo “jogo” de vender a imagem que o mercado deseja para lucrar com isso? Mas, quem, de fato lucra? Quem reproduz um modo de ser ou quem o instituiu, exatamente para gerar suas riquezas a partir de sua replicação? Teríamos autonomia, fazendo circular nossas ideias, ou apenas reproduziríamos ideias já estabelecidas e que, muitas vezes, não nos dizem respeito?
Além disso, é interessante verificar o movimento circular existente entre as notícias publicadas pelas mídias tradicionais e as que circulam nas redes sociais. Ambas parecem se retroalimentar, formando uma única rede.
Outra observação, a princípio ingênua, é o fato de termos todo conhecimento a nosso dispor. De fato, temos uma diversidade de ideias, relatos, fatos, mas o que, verdadeiramente, é lido? O que circula e o que não circula? As timelines rodam, giram rapidamente, talvez mais rapidamente do que possamos acompanhar, e as coisas passam, as notícias, as ideias, os desejos, os encantos, os desencantos… tudo passa, e nós assistimos.
Por vezes, uma ideia nos toma, nos movimenta, mas quanta vida passa enquanto simplesmente ficamos “vendo o tempo passar”. Nosso tempo parece roubado, esvai-se, e nem sempre encontramos tempo para vivermos, de fato, tudo o que passa em nossa timeline. Vimos “não sei onde”, algo que “não sei o quê”, e a vida prossegue sem que, necessariamente, possamos experienciá-la plenamente.
Se nossas opiniões são as opiniões comuns; se nossos fundamentos são as repetições de posts compartilhados, mas nem sempre de fontes fidedignas; se a base para orientar nossa vida vem dos rápidos giros de nossa timeline; e se nossas relações restringem-se às curtidas ou aos comentários em nossas redes sociais; quem somos nós? Dispomos de conhecimento? Produzimos conhecimento? O que buscamos para nossas vidas? O que construímos no mundo e para o mundo?
Como qualquer instrumento, como qualquer tecnologia, as redes sociais interferem em nossa forma de viver, nos modos que escolhemos para construir nossas vidas e relações; mas como qualquer instrumento, como qualquer tecnologia, elas não têm o poder de definir, de determinar quem seremos, o que faremos e como nos relacionaremos. Estas são escolhas nossas. Se vivemos contemplando uma timeline, ou se buscamos conhecimentos e encontros capazes de tornar o mundo e a vida melhores, é uma escolha que depende de nosso posicionamento diante desta e de outras ferramentas.
Se agimos buscando popularidade, e para tal repetimos sem pensar e sem avaliar aquilo que nos é colocado como o que “todos” querem ouvir ou ler, somente para termos nossas postagens curtidas; se esquecemos disso e orientamos nossa vida pelas curtidas nas timelines, somos conduzidos por esse impessoal, esse alguém que “não” sabemos quem é, muito menos quais são seus interesses, mas que constrói e alimenta o imaginário da popularidade e da importância dos likes nas timelines para que sejamos “alguém”, para que tenhamos “valor” e, em alguns casos, possamos ser “monetizados”.
Como queremos viver? Como conduzir nossas vidas? Para responder questões como essas, precisamos mais do que modelos, padrões e receitas prontas; mais do que likes e posts compartilhados. Precisamos de saberes, de conhecimentos fundamentados que possam orientar nossas escolhas, de métodos que nos auxiliem a investigar a realidade e a construir formas de viver e conviver compatíveis com nossas necessidades e possibilidades, precisamos de encontros e diálogos reais e legítimos. Não são as ferramentas que nos aproximam ou afastam do conhecimento, do outro, do diálogo, da vida… São as crenças que assumimos como verdadeiras, são as relações que estabelecemos, as vivências que nos permitimos ter. Como você quer viver?
Referências:
AIUB, Monica; COSTA, César Mendes da. Minorias: Da sociedade do consumo à sociedade do convívio. São Paulo: FiloCzar, 2016.
AMORIM, Paulo Henrique. O quarto poder. São Paulo: Hedra, 2015.
NAUROSKI, Everson. O Príncipe Eletrônico: Mídia, poder e sociedade. São Paulo: FiloCzar, 2016.