por Monica Aiub
Meu amigo Lúcio Packter (o responsável pela existência da filosofia clínica) criou um site filantrópico chamado Por um hoje melhor (www.hojemelhor.com.br ), uma ideia simples e genial: Nele, qualquer pessoa pode doar, pedir ou partilhar o que desejar.
Um local de encontro virtual que propicia às pessoas a partilha, a ajuda mútua que, às vezes, pode ser mínima para quem doa e máxima para quem recebe; plena para quem partilha; ou ser a forma de percepção da existência e da companhia de muitos que se dedicam a um mundo melhor.
Quando pensamos em um mundo melhor, muitas vezes imaginamos isso num tempo distante, num longínquo futuro. Olhamos ao redor e o que vemos? O que nossos olhos enxergam? O que nossos ouvidos são capazes de ouvir? O que fazemos com isso que se apresenta a nós?
Quantas vezes nos encantamos com algo, mas não temos coragem de elogiar, de dizer o que sentimos diante da beleza da vida. Estarmos “encantados” com a vida seria uma ilusão? Um romantismo fora de moda? Uma loucura, diante da dura realidade cotidiana? Ou seria uma, entre as muitas possibilidades de enfoque dessa realidade?
Outras vezes, nos revoltamos com algo, consideramos esse algo absurdo, horrível, tenebroso. O que fazemos diante disso? Fechamos os olhos? Buscamos compreender o que é isto? Procuramos os motivos, as causas de tal situação? Tentamos encontrar ou construir possibilidades para modificar a situação encontrada?
Filosofia vem de provação e agitação
Seja num caso ou em outro, há algo que nos toca, que nos provoca, que nos afeta. A filosofia surge disso: provocação, afetação. A afetação nos faz olhar mais atentamente para algo que poderia passar despercebido, algo que poderia ser tomado como óbvio. Diante dele nos perguntamos: o que é isso? O que significa? Como é isso? Como funciona? Com o que se relaciona? Por que isso é assim? Precisa ser dessa maneira? Há outras possibilidades para ser? Para que isso é assim? Qual a sua finalidade?
O que? Como? Por quê? Para quê? São perguntas constantes na filosofia, perguntas que nos provocam a investigar, a olhar melhor para o que está diante de nós, para o mundo que nos rodeia, para nós mesmos, para aqueles que partilham esse mundo conosco, enfim, para tudo o que compõe o universo a nossa volta.
Platão dizia que a filosofia é a busca do conhecimento para o benefício do ser humano.
Estaríamos nós fazendo todas essas questões para tornarmos o mundo em que vivemos melhor? Tantos séculos e, o tornamos melhor? Alguns diriam que não, que nunca vivemos uma época tão difícil, que estamos à beira do caos, do fim dos tempos: um olhar pessimista. Outros diriam que estamos vivendo uma das melhores épocas da humanidade: qualidade de vida, aumento da expectativa de vida, tecnologias a serviço do bem-estar, facilidades de todos os tipos.
Olhando para a história diriam: melhoramos a cada dia, o futuro é promissor. Outros indagariam acerca da alienação contida nesse olhar: como assim, melhoramos a cada dia? E a exploração do trabalho? E a exclusão, cada vez maior e mais gritante? Uma só realidade, muitos e diferentes olhares.
Precisamos escolher uma dessas perspectivas? Ou melhor, precisamos escolher uma perspectiva? Ou cada uma delas e todas elas são válidas, retratam um aspecto da realidade circundante? O que ocorreria se ampliássemos nosso olhar, abandonando uma única perspectiva e percebendo várias delas ao mesmo tempo, compondo um retrato mais complexo e profundo do real?
Teríamos, ao invés do desespero gerado por uma visão pessimista, um olhar mais acurado, capaz de nos indicar pontos que precisamos trabalhar para conseguirmos um mundo melhor; ou teríamos, ao invés do encantamento ingênuo, a valorização dos aspectos positivos, que devem ser preservados; teríamos, ainda, ao invés da alienação que nos confunde o olhar, uma análise mais fundamentada acerca das possibilidades existentes para a construção de nossas formas de vida. Isso parece a você muito distante? Possível apenas numa perspectiva imaginária? Ou isso é, para você, a realidade, o que faz a cada instante de sua vida?
Mudança de mentalidade
Guattari, no livro As três ecologias, nos alerta para a necessidade de uma mudança de mentalidades se quisermos manter a vida no planeta. Ele propõe uma ecosofia, uma articulação ético-política entre as esferas do ambiente, das relações humanas e da subjetividade, capaz de nos esclarecer acerca de questões fundamentais para a manutenção da vida. Diz ele, logo nas primeiras páginas do livro:
“O que está em questão é a maneira de viver daqui em diante sobre esse planeta, no contexto da aceleração das mutações técnico-científicas e do considerável crescimento demográfico. Em função do contínuo desenvolvimento do trabalho maquínico redobrado pela revolução informática, as forças produtivas vão tornar disponível uma quantidade cada vez maior do tempo de atividade humana potencial. Mas com que finalidade? A do desemprego, da marginalidade opressiva, da solidão, da ociosidade, da angústia, da neurose, ou da cultura, da criação, da pesquisa, da re-invenção do meio ambiente, do enriquecimento dos modos de vida e de sensibilidade?” (p. 8-9).
E finaliza seu texto da seguinte maneira:
“Os indivíduos devem se tornar a um só tempo solidários e cada vez mais diferentes. (O mesmo se passa com a ressingularização das escolas, das prefeituras, do urbanismo, etc.). (…) A reconquista de um grau de autonomia num campo particular invoca outras reconquistas em outros campos. Assim, toda uma catálise da retomada de confiança da humanidade em si mesma está para ser forjada passo a passo e, às vezes, a partir dos meios os mais minúsculos. Tal como esse ensaio que quereria, por pouco que fosse, tolher a falta de graça e a passividade ambiente” (p. 56-57).
Talvez nossa dificuldade em vislumbrar um mundo melhor se encontre no fato de esperarmos grandes mudanças, revoluções que serão iniciadas e conduzidas por alguém, um herói suficientemente louco e corajoso para enfrentar a dureza da vida. Mas não fazemos isso a cada dia, quando buscamos formas melhores para viver, para lidar com os problemas que a vida nos coloca? Não revolucionamos sempre que criamos uma possibilidade de ser diferente? Por que esperar grandes revoluções, se podemos modificar significativamente nossas vidas, reinventando nosso cotidiano? Por que esperar que a atitude parta do outro? Por que desconsiderar nossa própria capacidade de conhecer e transformar a nós mesmos e ao mundo?
Pequenas ações, minúsculas iniciativas, fazer uso dos meios que estão a nosso dispor, compor os elementos do mundo e da vida em novas, diferentes e singulares criações: será tão difícil assim construir um mundo melhor? Precisamos esperar por um amanhã que sempre estará por vir? Ou podemos dar os primeiros passos, com essas simples e geniais iniciativas que apostam na humanidade, que nos tornam mais solidários, que tornam nosso hoje melhor?
A iniciativa de Lúcio Packter é um exemplo de uma ação simples, possível e criativa. Imaginem se todos nós criássemos o hábito de doar, partilhar e receber gratuitamente, se cada um de nós criasse pelo menos uma forma de tornar o mundo melhor, não estaríamos constituindo novas formas de existência? Qual foi, hoje, a sua contribuição para a construção de um mundo melhor?
Referências Bibliográficas:
GUATTARI, F. As três ecologias. Campinas: Papirus, 1990.
PACKTER, L. Filosofia Clínica: Propedêutica. Porto Alegre: AGE, 1997. Disponível em: http://www.filosofiaclinica.com.br/Filosofia_Clnica_-_Propedeutica.pdf . Acesso em 01.03.2009.
Por um hoje melhor: www.hojemelhor.com.br