por André Sendra de Assis – psicólogo do NPPI
Muito se discute a respeito da tecnologia e seu caráter benéfico ou ameaçador. Nesse âmbito, entre os seus observadores são expressas opiniões bastante divergentes na medida que, em algumas leituras, esse fenômeno é entendido de forma maniqueísta ou polarizado. Dessa forma, acabam por se constituir, dois grupos em polos distintos, contra e a favor (tecnófobos e tecnofílicos). Existem as pessoas que enxergam a tecnologia como perdição e as que lhe atribuem o poder da salvação.
É claro que esse tipo de divisão já se encontra em certa medida defasado, e constitui uma representação que aparecia de forma muito mais clara há anos atrás. Porém, ainda nos dias de hoje é perceptível esse tipo de tratamento dado a tal questão, seja nos meios de comunicação, nos meios acadêmicos, ou mesmo em opiniões expressas em conversas corriqueiras da nossa vida cotidiana.
Estamos diante de uma virada tecnológica, que aparece como momento de grande mudança para a sociedade como um todo. Conceitos como ciberespaço, virtualidade, interatividade, sociedade em rede, globalização, entre outros, têm se tornado cada vez mais presentes em nosso vocabulário, na mesma medida em que os aparelhos eletrônicos têm se tornado parte rotineira de nossas posses materiais. Ao mesmo tempo, temos a sensação de estarmos nos aproximando de um momento no qual o planeta, os recursos naturais, e nossa própria sociedade não são mais capazes de suportar a forma como nos organizamos. É uma sensação de perigo iminente.
Tanto a enxurrada tecnológica, quanto a aproximação aos limites físicos e sociais com que nos defrontamos têm como raiz o homem e sua forma técnica de existir. Ela é perceptível (principalmente nas civilizações ocidentais) ao nosso olhar para as “coisas” através da lente da utilidade. Existem muitas discussões filosóficas a respeito do homem como ser técnico, da técnica como “tática de vida”, ou do caráter de desvelamento do ser, como propõem os filósofos Spengler e Heidegger, respectivamente, entre muitos outros, tornando tal questão de uma amplitude a qual não cabe desenvolvermos nesse momento.
O que se pretende aqui é uma breve discussão sobre a forma como estamos percebendo e recebendo essas mudanças advindas dessa nova sociedade em rede, dessa nova cultura digital. É natural que mudanças de tal dimensão suscitem muitos medos e expectativas, pois faz parte do caminhar tirar o pé de um lugar seguro para colocá-lo em outro ainda incerto, ainda mais quando se está a vislumbrar perspectivas ameaçadoras no horizonte. Porém o movimento é parte da essência da nossa civilização.
Nesse sentido cabe a nós nos conformarmos com o fenômeno tecnológico, não no sentido do conformismo, mas da aceitação “do que se dá”. Aceitação essa que não deve ser entendida através da divisão que fazemos no mundo ocidental entre Ativo x Passivo, e sim na dicotomia oriental entre Ativo X Receptivo. Dessa forma podemos entender a palavra conformar no seu sentido etimológico de “tomar forma junto”. Somos todos autores dessa nova sociedade, ao mesmo tempo em que estamos a todo momento nos conformando com as consequências de nossas escolhas, e nos adaptando a elas.
Existem movimentos que se propõe a buscar soluções tecnológicas para os problemas sociais e ambientais que nos afligem, ao mesmo tempo em que, em outros lugares se coloca que não há solução a partir do modo técnico de se pensar, e somente ocorrerá uma mudança efetiva na medida em que nos entendermos de forma mais integrada com nosso meio. Há ainda os que percebem nossa decadência como parte da nossa forma de existir, comparando a história da humanidade ao caminho natural da vida.
Não há resposta ainda a tal questão, e devemos percorrer essa via na esperança de nos apropriarmos de soluções para nossas necessidades. A respeito desse tipo de resposta, no último parágrafo do ensaio sobre a questão da técnica, Heidegger faz a seguinte afirmação: “Quanto mais nos avizinharmos do perigo, com maior clareza começarão a brilhar os caminhos para o que salva, tanto mais questões haveremos de questionar. Pois questionar é a piedade do pensamento.”
Finalizo essa reflexão de forma mais lúdica, traduzindo o receio sobre o que está por vir, com uma boa dose de otimismo, nas palavras do compositor Raul Seixas, no caso referindo-se a uma apologia artística aos anos 50 em detrimento às produções dos anos 70, na composição “A verdade sobre a nostalgia”, ele coloca: “Na curva do futuro muito carro capotou, talvez por causa disso é que a estrada ali parou. Porém atrás da curva perigosa eu sei que existe alguma coisa nova mais vibrante e menos triste”.