por Luís César Ebraico
Uma de restaurante:
Em um restaurante que eu regularmente frequentava, costumava pedir uma porção de linguiça calabresa bem frita, como aperitivo para acompanhar meu chope. Ocorre que, desde uns bons trinta anos para cá, a qualidade – por vezes, também a quantidade – do que é servido em nossos templos gastronômicos vem decaindo de forma deplorável. Serve de testemunha a história de belos couverts em que se viam, por exemplo, opulentas azeitonas pretas apimentadas e que as viram substituídas por umas coisinhas mirradas, embora ainda pretas, que mais nos lembram cocô de cabrito.
Desse processo de decadência participou a calabresa, que, como outras linguiças, foram sutilmente transformando-se em salsichas. Quando, pela primeira vez, fui vítima dessa mutação, chamei o garçom:
LC: — Amigo, isso não é linguiça, isso é salsichão.
GARÇON: — Não, isso não é salsichão, isso é linguiça!
LC: — Então, o senhor faz o seguinte: leve esta linguiça com gosto de salsichão e me traga um salsichão com gosto de linguiça!
O garçon escafedeu-se e, pouco depois, apareceu-me o gerente:
GERENTE: — Ô, doutor Luís César, desculpe! O senhor sabe: realmente, os fornecedores estão deixando decair a qualidade dos produtos que entregam. Mas a gente ainda tem da linguiça que o senhor gosta, e ela já está sendo preparada para o senhor.
E o episódio, portanto, teve um final feliz: terminei por comer uma linguiça com gosto de linguiça…
Mas haveria algum comentário a ser feito, do ponto de vista da Loganálise (filhote da psicanálise)? Sem dúvida.
Nossa cultura tenta tapar nossa boca com QUATRO tipos de argumento. Um deles diz respeito a contestar a RACIONALIDADE, VERACIDADE, COERÊNCIA ou que o valha do que estamos falando, em situações que o que interessa é o que estamos SENTINDO ou QUERENDO.
Eu claramente não queria comer AQUILO – fosse um “nabo”, fosse “feijão”, “salsicha” ou “linguiça” – e não me deixei cair na estúpida armadilha de ficar discutindo sobre a “real natureza” de algo que, simplesmente, não me apeteceu.